segunda-feira, outubro 23, 2006

Delirium... O Mundo Visto de Uma Forma Diferente...

- Não está aqui... Eu sei que eu perdi, mas o que perdi?
Coçava a cabeça a pensar. Seus cabelos se desgrenhavam. Alaranjados ou seriam avermelhados como os peixes dourados de um aquário que bailavam entre mechas de outras cores. Às vezes eram amarelas, rosas, azuis, às vezes as mechas possuíam as cores do arco-íris, mas nem tão pouco as pessoas conseguiam notar quantas cores os cabelos de Gale poderiam ter. O cachorro sentava-se a observá-la às vezes coçando a cabeça com uma de suas patas, às vezes a esperar. Gale revirava as latas em busca do que tinha perdido e um grito mais firme a fazia voltar seu olhar para aquele que estava a gritar.
- Hey! Sua punk... Vá revirar o lixo em outro lugar!
A garota olhava para um lado e depois olhava para o outro. Olhava para cima e depois entre as pernas.
- Não... Não... Não... Não há nenhuma punk aqui, apenas eu estou aqui... Ou será que ela se escondeu aqui?
Revirava os bolsos de suas roupas em busca da punk que o homem tinha dito e não conseguia encontrar.
- Ai por todas as coisas que há... Aonde está? Perdi uma coisa mais?
Olhava de forma zangada para o cachorro que olhava intrigado.
- Cachorrinho mal. Como você deixou ela escapar? Agora são duas coisas que precisamos encontrar.
O homem olhava incrédulo para a moça que parecia ralhar com o cachorro, falando sobre coisas perdidas. Gale começa a rir abraçando o cachorro então. Saía saltitando daquele beco fazendo o homem pender a cabeça ao ver o que pareciam peixes dourados a voarem sobre a cabeça tresloucada de Gale.
- Mas o que?
Sacudia a cabeça uma vez mais e quando voltava a olhar não mais ela estava lá. Por um momento coça a nuca a pensar se não estava ele ficando louco, mas as latas reviradas diziam que assim não estava. Adentrava de novo o bar, pensando se não era estafa e se não foi um cachorro que revirou as latas. Precisava trabalhar. A noite seria longa e ele já parecia cansado com todo aquele trabalho. Mas a mente pregava-lhe peças com as lembranças da garota que a pouco perguntava aonde é que estava.
- Melhor eu esquecer isso...
Murmurava voltando a trabalhar, pois não muito ele podia fazer.
Gale então corria pelas ruas, via as luzes em néons tão coloridos quanto às mechas que ela possuía em meio aos cabelos alaranjados. Ria e se divertia com seu pequeno amigo que corria atrás desvairadamente a latir. Por um momento estremece, quando seus olhos pensam em pesar.
- Não... Não... Elas não estão aí... Eu já procurei e não hei de encontrar...
Batia o pé parecendo se zangar.
- Quer sorvete de avirilã ou eu devia usar uma coberta? OBA!! Pique-pega!!!
Corria entre os carros parados na cidade adormecida por mais um dia. Via coisas que não se via com outros olhares que haveriam de observar e não eram observadas. Via o parque e dizia:
- Que delícia este é o meu lugar...
A noite corria se transformando em dia e seus pés iam e vinham junto com o ranger das correntes. O vento se divertia a bagunçar-lhe os cabelos. Cabelos vermelhos ou seriam alaranjados como os peixes dourados que enfeitavam os espelhos. Espelhos formados pelas paredes dos aquários que brilhavam distantes da moça que estava a balançar. Crianças riam ao ver a moça balançando cada vez mais alto, deixando os pés soltos ao ar. O Cachorro latia com a língua pendida. Pendia a cabeça a observar a alegria.
- Não se acanhe!!! Não se acanhe!!! Venha!!! Venha!!! Vamos balançar!!!
Como ria e se divertia.
Ria e se divertia com os adultos constrangidos que puxavam as crianças que corriam em volta, prontas para voar. O cachorro latia e corria a girar. Latia! Latia! Ao seu rabo buscar. Ria gostoso, um riso infante, balançando mais altos com os olhos brilhantes. Um Verde vívido e tão vívido quanto a Ilha Esmeralda. Ilha salpicada das prateadas estrelas que nesta terra caíam. Outro azul como um estranho azul. Azul intenso como um fluído rio. Rio que bombeia o coração da mulher que era uma menina nos devaneios das crianças que riam.
- AAAviããão!!!
Com as mãos soltas ao ar. Tentava buscar o avião que cruzava o ar. Tosse por um tempo com a poeira erguida e lábios tremem com a nova ferida. Sente um focinho a lhe tocar e logo o latido está no ar. Em um pulo ergue-se dando risadas. Correndo com os braços abertos a imitar o objeto que tentou alcançar.
- DESTRUIÇÃO!!! DESTRUIÇÃO!!!
Corria em direção a fumaça cinza que se erguia, enquanto vozes gritavam em tamanho pavor...
- Oh! Meu Deus!!!
O Cachorro corria atrás daquela moça que para todos parecia ter vindo de uma noite bem vivida. Noite de porre em deleites baquianos, ou deveria se dizer que Baco brindava com seus nobres amigos uma noite festiva? Carros de Bombeiros cruzavam as ruas, dando seus gritos na busca dos feridos. A moça parava olhando para um poste, deslizando a língua no frio aço empoeirado pelo desastre ocorrido.
- Talvez um pouco mais de pistache, mas você teria visto este moço lindo?
Apontava um retrato que tinha em suas mãos, com traços que em nada condiziam ao que seus olhos tão diferentes viam.
- Não? Então obrigada!
Fazia uma longa reverência de forma exagerada e logo, logo ela partia a acenar. Dizia tchau para o poste empoeirado, enquanto continuava a buscar.
- Por tudo que há de estar... Aonde é que foi parar?
O cachorro latia enquanto as ambulâncias corriam, corriam para salvar as vidas em tudo que desabou naquele dia.
- Ali!!! Ali!!!
Agitava os braços ao ver algo que corria.
- Ali está o que eu tinha que encontrar...
E logo corria, com o cachorro a latir. Via o carro branco com tarjas vermelhas e luzes a piscar a correr e a se afastar.
- Pega!!! Pega!! Não deixa escapar...
Barnabás então corria. Corria à frente da menina. Latia de forma incessante, enquanto ela via. Via aquele carro levar o que tanto estava a buscar. Tentava fechar a mão envolta daquele carro, para não deixar escapar. Parava de correr com o Barnabás a se aproximar. Abaixava seu corpo com as mãos fechadas. E em concha começava a espiar pelos dedos o que ela tinha conseguido capturar. Movia a língua e com grande surpresa, surpreendia ao gritar:
- Já sei onde encontrar!!!
Gale responde de forma sorridente. Caminhando novamente para aonde seus pés pudessem a levar. Logo se via em um quarto branco e com um giz de cera começa a pintar.
- Um pouco mais de cor aqui... Umas borboletas ali... E logo teremos peixes a voar. Árvores de biscoito e muita alegria no ar...
Barnabás gane de forma baixa deitando-se desesperançado, mas não podia abandonar aquele quarto tão branco que ganhava um novo colorido. Um colorido que ganhava vida quando ela pegava de uma outra árvore a qual ela desenhara um picolé de telefone que parecia esperá-la
- Huuum... Que gostoso que está e quão bom há de ficar...
Pequenos olhos se abriam e viam aquela tresloucada que sorria. Por um momento o sorriso surgia nos lábios vendo aquele mundo tão colorido, tão diferente de tudo que tinha visto.
- Achei que não me encontraria...
Gale pula ao escutar a voz que vinha no pequeno sorrir.
- Vê? Meus cabelos parecem com os seus...
Aproximava-se da pequena criança e se abaixava para pegar uma mecha avermelhada e juntava com a mecha dos cabelos dela.
- Os seus são mais coloridos...
Gale ri por um momento.
- Mas eu ainda não encontrei a Punk que eu perdi... Estaria ela aqui? Se não terei que procurar... Ai, ai, ai... Ai, ai, ai... Onde é que a punk se meteu?
A criança de cabelos avermelhados sorri com aquela moça de cabelos desgrenhados.
- Talvez ela esteja em outro lugar. Talvez esteja perdida em seu olhar...
Gale ri mais um bocado, desgrenhando os cabelos avermelhados.
- Então? Quando foi que você ganhou isso?
A criança fecha os olhos e sorrindo, não tinha idéia do que ocorria.
- Quando você saiu para me procurar e eu não estava lá. Mas estaria nas linhas de um livro ou estaria a sonhar. Pintaria uma tela que estava para se pintar. Seria a vida. Seria a morte. Teria medo mas encontraria a alegria. Então eu sempre estive lá. Apesar de que eu não sei aonde é o lá.
Gale aplaude as palavras da criança e então sai desvairada e tresloucada.
- Não saia daí... Vou achar a Punk e voltar aqui...
A criança via então Gale sair e o cachorro a acompanhar. Por um momento sorri e logo seus olhos estão a buscar...
- Seria um sonho tudo isso? Como o sonho que vi?
A porta se abria e o colorido partia com um homem que entrava a observar. Os olhos da criança de cabelos avermelhados se voltavam para lá.
- Há muita tristeza em seu olhar. Assim como muita raiva há... O que deixou seu coração tão triste para sua alma ficar tão cinza como está?
O Homem abaixava os olhos com seus punhos a fechar. A Dor parecia crescer em seu peito com a voz daquela criança que enchia o quarto de forma inocente sem saber o que lhe corroia o peito quando estava a olhá-la.
- Poderia contar uma história para mim? Minha amiga logo há de chegar.
Os olhos erguiam-se com lágrimas a observar aquela criança que parecia tão inocente na culpa que ele queria jogar. A raiva desaparecia. As lágrimas cresciam. E ali a criança buscava nele uma coisa muito importante. Não sabia o que estava a procurar, mas sabia que tinha algo a entregar. Não sabia o que entregar, mas sabia que entregaria para aquele homem que tão triste estava em seu olhar.
- Sua amiga pode contar a história quando ela voltar.
A criança suspira erguendo os olhos para o teto que estava tão branco.
- Ela há de demorar... Perdeu algo que precisa encontrar.
O homem se aproximava, olhando a criança que parecia perdida em devaneios. Tão fácil era acabar com aquele tormento. Tão fácil seria acabar com aquelas sombras que estavam a rondar.
- Era uma vez um homem que estava em um parque. Seus olhos tão cinzas pareciam azulados que se perdiam em um mundo que ele não podia enxergar. Um homem que parecia tão sábio e que tinha a voz como o farfalhar de velhos pergaminhos numa biblioteca tarde da noite. Quando as pessoas já tinham ido para casa e os livros começavam ler a si mesmos. Ele nos falava sobre Destino, um destino implacável que não podia ser aplacado, mas mesmo que pensassem isso sobre ele, Aengus apenas aponta os caminhos que podemos percorrer.
- Como?
Perguntava o homem com os pensamentos perdidos diante de tudo que ele ouvia ali.
- O dia se punha a correr e o sono se aproxima sorrateiro. Ainda quando estamos sentados quietos a jantar, Gawain chega devagar. Nenhum barulho ele faz e tirando os sapatos ele sobe as escadas soprando suas areias para que nos sonhos ele possa nos embalar.
A criança contava uma história para ele. Uma história que ele precisava escutar. Em algum lugar alguém passava os dedos sobre um livro, enquanto outro parecia esperar.
- Mas o coração se aperta aflito, quando sonhos se transformam em pesadelos. Em sono agitado ele grita, grita pelas pessoas que são feridas. Tristan nunca quis machucar as pessoas e jamais aceitou as telas que ele pintou. As pessoas ferem-se e são feridas enquanto o sono dele se agita com o coração que partia de tão acelerado que ficou.
Os olhos do homem se enchiam de lágrimas ao escutar aquilo, não sabia por que não conseguia se erguer, mas a história parecia tão vívida na boca daquela pequena criança, que seus olhos quase viam os rostos de quem a criança tão bem parecia conhecer. Outros olhos pareciam se acalmar ao notar que outra pessoa o compreendia.
- Em meio ao mundo cinza dois irmãos se encontravam. Um perfume parecia tão agradável tão diferente do outro perfume que deixava o mundo cinza como o cinza das nuvens em dias nublados e que parecem chorar. Tanto pelos que partiram quanto pelos que ficaram.
- Por favor... Pare... Pare... Eu não quero mais escutar...
Ele estava tão próximo da criança tão próximo da dor que sentia. Sentia seu coração dilacerado. Sentia ele sendo rasgado. Sentia o doce aroma de pêssegos, sentia o perfume almiscarado. Era tão fácil... Tão fácil terminar com aquele tormento. Chorava de cabeça baixa. Chorava com seu peito a gritar e pedindo que aquilo acabasse. Que o sangue se derramasse sobre os lençóis brancos que ali havia e que cobriam o pequeno corpo inocente diante dele.
- Mas aprendi... Aprendi com a Kayleigh que são os momentos que iluminam tudo. O tempo que você não nota que está passando que faz o resto valer. Pois ela diz que a morte não é o fim e sim o início de uma nova vida.
O homem então erguia os olhos assombrados a observar aquela pequena criança que lhe dava um tapa enquanto seu coração parecia ser feito em mil pedaços. Lábios sorriam um fino sorrir, enquanto esperava escutar o desfecho de uma história tão bem contada daquela criança para o homem atormentado.
- E aprendi com Gale que o mundo pode ser mais colorido. Mesmo quando achamos que perdemos algo. Pois quanto mais procuramos menos conseguimos encontrar e quando paramos de procurar enxergamos aquilo que sempre esteve lá.
- E o que eu procuro?
Perguntava o homem sem mais forças para chorar. Sabia que a história estava no fim ou estava para chegar.
- O brilho dos olhos que um dia você perdeu...
- E aonde posso encontrar?
Erguia-se o homem a observar. Deixava as mãos segurarem nos ombros da pequena criança com seu coração a sangrar. Ela era a causa de tudo aquilo. Ela o fez chorar e ansiar pelo dia em que poderia reencontrar aquela que ele tinha perdido mas não conseguia encontrar.
- AONDE POSSO ENCONTRAR?
Gritava levando as mãos ao rosto da criança como se as mesmas pudessem esmagar aquele rosto inocente que tinha ceifado uma vida que deveria estar lá. A criança toca a mão sobre o peito do homem, mesmo sentindo medo do que via naquele olhar.
- Ela está lá a te esperar. Ela está aqui a te olhar.
A dor no peito crescia e o medo ele via naqueles pequenos olhos brilhantes.
- Ela deseja te encontrar.
O homem estava para ultrapassar os limites que ele jamais pensaria em ultrapassar.
- QUEM? QUEM DESEJA ME ENCONTRAR?
Gritava com a criança esquecendo-se de onde ele estava e então a criança aponta na direção da porta, e o homem olhava para a porta para ver o que ela estava a observar e que parecia aliviar os olhos temerosos que ele impôs a ela em seu descontrole emocional. Arthur chora ao ver o que ele via. Chorava ao ver um mundo mais colorido. Chorava ao ver um sorriso que havia partido. Chorava com aquele brilho no olhar que ele achava ter perdido.
- Aí você está!!!
O cachorro latia e os enfermeiros corriam. Gale se aproxima sorrindo, enquanto os enfermeiros carregavam o homem que se encontrava em prantos.
- Isso é um absurdo!!! Cachorros não podem ficar aqui!!! Isso é um hospital mocinha.
- Já estamos de partida. Cuide de suas feridas... Não vê que Aislinn precisa de nós?
Aislinn sorri, enquanto seus cabelos são afagados por Gale. O sono chegava fechando os pequenos olhos de Aislinn que muito compreendia mas nova ela ainda estava. A enfermeira briga mais um pouco e Gale olha para a enfermeira com um olhar muito zangado.
- A hora de brincar acabou Cecile! O pobre homem está a chorar. Feia!!! Feia!!! Deixa Casey te consolar!!!
Os olhos pareciam tão furiosos que a enfermeira estava para avançar sobre a criança de cabelos avermelhados. Barnabás se erguia rosnando para aquela mulher e Gale se erguia sorrindo.
- Ou você prefere que eu brinque de Alice através do espelho?
A enfermeira saía. Vociferava algumas palavras espantando as pessoas ao redor dela. Cecile jamais compreenderia o que tinha de tão importante ali. Gale sorria vendo a criança a dormir.
- Você conhece o caminho. Sabe como chegar. Mas não vá sumir ou vou ter que mais uma vez te procurar.
Em algum lugar Aislinn dava as mãos para um homem. Sorria a observá-lo em seu enorme desnorteio.
- Venha Arthur! Venha! Ela está a te esperar!

domingo, outubro 22, 2006

Despair... A Sombra no Coração...

Não compreendia o que aquela pequena criança tinha de tão especial. Não compreendia o que seu irmão mais velho pretendia fazer com aquela pequena criança de cabelos avermelhados. Mas desde que Destino afagou os cabelos daquela criança enquanto ele contava a sua história no parque, ela sabia que teria um papel naquela trama toda. Seus olhos observavam aquela pequena criança pelas janelas que tinha em seu reino. A dor que seu pequeno anel em forma de gancho a proporcionava não se comparava ao desejo que ela possuía de fazer a criança sofrer.
Precisava possuir aquela criança. Precisava fazer-la sofrer. Mas como fazer-la sofrer? Cecile se mantinha mergulhada em seus pensamentos quando sentiu um calafrio subir-lhe pela espinha e seus olhos encontrarem aquele que há muito havia abandonado-os.
- Eis que o bom filho a casa torna.
Sorria, quando seus olhos cinza afixavam-se naqueles olhos em tom âmbar. Ele parecia saber que teria que cumprir aquilo que ele teria que cumprir.
- Há algo... Eu sei que há...
Cecile sorria de modo frio. Ele nunca havia se perdido daquele jeito. Destino sabia o que fazia, sabia ser implacável se necessário. Destruição estava cada vez mais perto dela em suas dúvidas. Em seus anseios. Seu coração acelerava e ela podia sentir.
- Não há como escapar...
Sussurrava de modo sibilante e frio, como se ela mesmo fosse o pródigo, mas talvez ela tenha pegado pesado demais e a resposta não foi nada agradável. O Pródigo quebrava o espelho. Lacrava aquele portal para o mundo que ela tão bem comandava. Mas ele ainda não estaria livre dela. Não tão facilmente assim, ainda mais quando Sonho fez dormir aquela criança que ela tanto desejava, e esta criança teve o prazer de entrar nos sonhos de Destruição. Ah! Como àquela hora pareceu tão deliciosa. Quando pode deixar as mãos dela repousarem sobre o coração pequenino e ela pode fazer a criança começar a sentir o verdadeiro medo do que estava por vir. Deleitava-se com aqueles sonhos tranqüilos que se tornavam pesadelos em suas mãos. Mas aquele olhar negro que continha o brilho das estrelas possuía um entoar tão forte de suas palavras. Sua presença era tão forte perante ela, que Cecile pode sentir quando o coração pequenino escapava de suas mãos e os pesadelos mais uma vez se tornavam sonhos. Cecile rasgava a pele acinzentada e pegajosa, deixando o sangue negro descer. Sorria de forma quase insana, desejando aquela criança para ela. E a teria em seu devido tempo, mas agora seus olhos voltavam-se então para alguém que dormia agitado. Alguém que os pesadelos não poderiam ser transformados em sonhos e que agora estava à sua mercê, graças a Sonho e a pequena criança de cabelos avermelhados.
- Ele tem uma missão a cumprir... Um Destino a seguir...
Sim! Os dois estavam ligados. Destruição e a pequena criança, mas o tempo corria para os mortais, enquanto o tempo agia de modo estranho para eles. Gargalhava com tudo aquilo. Destino sabia como ser cruel. Seus passos a levaram para aquele que via as coisas no tempo real, enquanto a criança viu tudo antes em Sonhar. Suas mãos aos poucos envolviam o coração do Pródigo, enquanto as palavras pareciam repetir em sua mente.
- Ele tem uma missão a cumprir... Um Destino a seguir...
Ela sabia o que estava por vir. Conhecia uma das trilhas que ela teria que seguir. Sua mão mergulhava naquele corpo quente. Suas mãos frias seguravam o coração do pródigo que se agitava enquanto dormia. Enquanto ele via a missão que ele tinha que cumprir.
- Não... Não...
Vinha a voz de seu irmão que abandonou seu reino, por não querer ser mais quem ele era. Por afirmar que os mortais conseguiam se virar sozinhos e que não precisavam deles.
- Sim... Sim...
Os olhos cinza pareciam desbotar o mundo ao redor do pródigo que comandava os eventos que se sucederiam naquele dia que amanhecia sonolento para os mortais.
- Não... Não...
Ele se agitava cada vez mais que o aperto no coração aumentava e Cecile sentia um êxtase enorme com tudo aquilo. Seus olhos podiam ver o que o Irmão via em seus pesadelos. Era chegada a hora... Era chegado o momento... Então suas mãos se fecham com tanta força naquele coração que ela pode ouvir aqueles gritos. Aqueles gritos que ela tanto ansiou por ouvir. Seria capaz de levar seu Irmão para seu reino. O Irmão que acordava em meio ao grito praticamente a separando dele.
- NÃO!!!
Havia se esquecido, quão forte era o Pródigo.
- Que tipo de brincadeira é essa?
Era o que ele esbravejava e Cecile apenas ligou a TV para que ele soubesse a verdade. Para que ele soubesse que havia cumprido o Destino dele. Mas agora aonde ela estava?
O Mundo moldava-se ao seu redor. Ela podia sentir a presença de dois irmãos no meio daquelas nuvens cinza de concretos que explodiram com o impacto. Podia sentir o Desejo que as pessoas tinham de viver. Desejos tão intensos que algumas delas, com o simples passar da sombra daquela mulher sobre elas, foram capazes de matar outras pessoas apenas para sobreviver um pouco mais de tempo. Estas pessoas, Cecile teria prazer de atormentar as suas almas. Fazer com que estas tivessem pesadelos para o resto de suas vidas. Destruir os sonhos que elas possuíam, já que sonhos não passavam de um brinquedo que devia ser descartado quando se tornava adulto. Mas ela queria outra coisa. Ela queria aquela pequena criança que Sonho protegeu. Ter aquilo que era tocado pelas mãos de Sonho, sempre era mais divertido. Mas seu coração pulsou mais forte quando pode ver, ali diante dela não só a pequena criança.
Cecile sorri. Sorri ao ver sua outra metade abraçado à uma mulher. Fazendo com que a mulher desejasse viver para reencontrar o marido. Mas ao se aproximar um pouco mais, via que a mulher olhava para um canto.
- Não...
Seus olhos se enchiam de fúria. A criança que ela tanto almejava estava perto daquela mulher que era alimentada pelo desejo de viver, graças a sua outra metade. Desejo tinha feito a mulher atingir o limiar e se ela não agisse, ela perderia a criança para sua irmã mais velha.
- Eu não vou deixar...
Aproximava seus passos, deixava Desejo sentir sua presença. Deixava a mulher conhecer o desespero que uma mãe teria com a morte de uma criança. Apertava o coração daquela mulher enquanto seus olhos firmavam-se nos olhos amarelados de sua outra metade. Pode sentir a raiva de Desejo quando a mulher escapava dos braços que a confortavam e corria desesperada gritando que não deixaria a pequena criança morrer. Pode ver quando a mulher em seu desespero usava o próprio corpo para proteger a criança e sucumbia por conta disso. Fazia Desejo perder seu brinquedo, apenas para ela não perder o brinquedo dela.
- CECILE...
Cecile pode escutar aquele grito furioso de seu irmão. Sorria enquanto observava, mas notava quando os olhos amarelados pareciam ficar estáticos e então pode notar a presença da mais velha. Espiava a irmã que acalentava a criança nos braços e contava pela segunda vez a história que era ouvida por todos os mortais. Estavam ali... Casey e Cecile vendo aquela cena que para ela parecia tão patética. Por que ela se importava em contar aquela história? Por que ela contava aquela história? Foi então que ela percebeu.
- Não se atreva...
Seu coração era tomado de fúria, quando ela via a irmã repousar um beijo na testa da pequena criança e indo cuidar das almas dos que partiram. Era tomado em fúria quando Casey sorria de modo vitorioso no momento em que os bombeiros encontravam aquilo que ela tanto desejava. Queria matar Casey. Queria esmagar seu coração por conta de tamanho desaforo. Mas o poder de Casey crescia. Crescia com aquele Desejo dos mortais de encontrar mais pessoas vivas. Tinha que partir... Tinha que sair dali...
- Ainda nos encontraremos Casey...
Saía... Saía furiosa dali. Naquele dia Casey não teria o consolo em seus braços. Sua outra metade deveria estar no auge de seu deleite por conta daquela vitória. Mas haveria outras almas que ela tocaria e tais almas viriam nos dias seguintes, enquanto a fumaça era exalada diante daqueles olhos cinza. Aqueles olhos da cor do céu naqueles dias cinza e úmidos que desbotam o significado do mundo, fixos no olhar de quem engolia a seco quando apertou a sua mão fria, porém suada. Como se o inverno fosse o dia mais quente do verão para aquela mulher. Cecile parecia apertar o coração do homem com as próprias mãos, mesmo estando somente sentada ao outro lado da mesa observando-o naquela situação. Olhar-la nos olhos estava sendo difícil para ele e escutar a voz naquele tom baixo que não passava mais do que um sussurrar, trazia a agonia de estar ali diante daquela mulher.
- Você ainda não a encontrou?
Cecile falava muito pouco e mesmo que se deleitasse com o nervosismo do homem na cadeira mais adiante, os olhos dela não ousavam desvencilhar. Parecia vasculhar a alma que gritava em desespero para querer sair de perto e pedir demissão.
- N-Na-Não... Senhora... Senhora...
A fumaça era soprada sobre o rosto do pobre homem quando ele ousou dizer o seu nome e a tosse repentina fazia com que um sorriso surgisse aos lábios de modo fraco.
- Você está me decepcionando.
O Homem passava a mão ao rosto e respirava fundo, suando de nervoso.
- Eu vou encontrá-la. Apenas preciso...
Ela apagava o cigarro, olhando para o lado. Os olhos dela se firmavam em uma janela que estava sendo aberta.
- Você tem se olhado no espelho?
A voz do homem vinha meio que surpreendida por aquela pergunta que nada tinha haver com o caso.
- C-Co-Como?
Ela voltava os olhos para um local vazio daquele ambiente. Lembrava-se de coisas que ocorreram no passado.
- Não acredite em Sonhos detetive. Os sonhos não são nada.
- Senhora... Eu... Não compreendo... O que tem haver o fato de me olhar no espelho e os meus sonhos?
O Homem ficava cada vez mais confuso. Aquele cheiro almiscarado parecia tão presente e ele estava começando a achar que estava vendo coisas demais. Sentia-se perturbado perto daquela mulher. Sentia-se angustiado. Uma angústia tão grande quanto a que ele sentiu no dia 11 de Setembro. Quando escutou aqueles gritos, quando viu aqueles corpos. Quando se olhou no espelho depois de receber a notícia da esposa que morreu naquele dia e que uma criança sobreviveu. Mesmo estando as duas no mesmo lugar. Ele não conseguia aceitar que uma criança de cabelos vermelhos tenha sobrevivido e a esposa não.
- Não serão seus sonhos que o farão encontrar a minha irmã, Detetive. Pois os Sonhos não são nada.
O homem erguia o olhar para aquela mulher e se assombrava ao ver aqueles olhos tão próximos.
- Esqueça seus sonhos Detetive. Eles apenas o matarão.
Ela se afastava depois de assombrá-lo. Sorria de forma calma ao passar pela porta enquanto o homem pegava um lenço do bolso e enxugava o suor que escorria pela fronte.
- Definitivamente eu preciso de férias... Urgente!!!
Murmurava o homem, guardando mais uma vez o cartão daquela mulher na carteira. Um cartão em que o sublinhado sobre o nome, lembrava como se um gancho tivesse passado abaixo do único nome acompanhado do telefone.
- Cecile...
Era incrível como aquele caso apareceu justamente em um momento em que ele estava em total Desespero. Ele precisava encontrar a irmã daquela mulher logo, pois só assim se livraria da presença dela. Daquela mulher que sempre parecia o levar para a angústia de ter perdido a esposa.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Desire... O Doce Aroma do Limiar...

Seus olhos se fechavam. Fechavam-se naquele ínfimo momento no qual o silêncio parecia tão doce e eterno. Naquele ínfimo momento no qual mil vozes eram silenciadas. Podia sentir a brisa que lhe tocava a pele pálida, que movia seus cabelos negros, assim como as suas roupas. Podia sentir o doce perfume de pêssego que exalava e que tocaria as almas das pessoas. Como era gostoso sentir aqueles anseios que alcançariam o limiar. Que seriam capazes de coisas sórdidas no simples encontro que teriam com sua outra alma. Mas antes de encontrá-la, curtia apenas o momento. O momento em que as linhas eram traçadas por seu irmão mais velho. O momento em que seu terceiro irmão acalentava os mortais em seus Sonhos, mas trazendo o tormento para o Pródigo. Sorria um fino sorrir quando o Pródigo pintava sua mais bela obra durante seus sonhos. Mesmo quando este desejava criar ele destruía, e como destruía com perfeição. Deslizava os dedos sob o queixo levando ao colo, enquanto rebuscava o ar ao sentir a mais velha no local.
- Sim... Chegou o momento...
Sorria ao abrir os olhos no exato momento em que vinha aquela explosão de vozes. Vozes tocadas por sua irmã Cecile que também seriam tocadas por seus dedos. Aonde havia Desespero também haveria Desejo, pois sempre andavam lado a lado. Casey, colocava suas mãos sobre os ombros de uma mulher, sussurrando-lhe nos ouvidos palavras cálidas que eram um segredo. Suas sombras se projetavam confundindo os sentidos daquela mulher que via tão próxima a ela uma criança naqueles escombros.
- Por Deus!!! Por Deus!!! Ela é tão jovem...
Chorava a mulher abraçada por Casey. Ah! Como desejava tocar a pele daquela pequena de cabelos avermelhados que conheceu Destino no parque, enquanto ele contava histórias sobre o quão implacável ele poderia ser. Como desejava contornar os traços da pequena criança de cabelos avermelhados que foi embalada nos braços de Sonho poucas horas antes daquele momento trágico. Como desejava sorver dos lábios da pequena o pequeno e amargo doce que Desespero tentou deitar sobre sua alma atormentando-a enquanto a mesma se encontrava sob os domínios de Sonho. Como desejava dividir os mesmos sonhos que ela dividiu com Destruição enquanto ele dormia, mas que ela despertaria um pouco antes de tudo acontecer e estaria aonde deveria estar. Desejava-a. Desejava-a como uma criança deseja um brinquedo na noite de Natal. Desejava-a como uma criança deseja os doces do Halloween.
- E faltava tão pouco...
Sorria, enquanto sentia a mulher que abraçava entrando no limiar.
- Por Deus!!! Por Deus!!! Ela é tão jovem...
A mulher desejava viver. Desejava escapar daquele lugar escuro e sufocante. Daquele local que iria desabar. Os dedos da mulher estavam tão próximos daquela criança. Daquela criança que Casey queria tanto tocar. Mas a mulher que Casey abraçava começava chorar. Chorava com as lembranças do marido que não se conformaria. Chorava pelas mães que perderiam seus filhos. Filhos que ela cuidava durante aquele passeio escolar. Chorava pelos filhos que ela ansiava ter e este dia jamais haveria de chegar. Casey podia sentir aquele aroma almiscarado que lhe alcançava o olfato. Podia ver aqueles olhos cinza como os dias nublados e úmidos que seriam capazes de tirar as cores do mundo em que seus dedos tocavam. Podia escutar aquele sussurro quando sentia aquela mão fira e úmida tocar-lhe a face, rasgando-lhe a pele com aquele pequeno anel que continha um gancho. Então sentia quando o limiar era ultrapassado por aquela mulher que antes abraçava e escapava de seu abraço em um grito desesperado. Via quando a mulher alcançava a criança de cabelos avermelhados.
- Eu não vou deixar você morrer!! Não vou deixar você morrer!!!
Chorava a mulher que via o mundo desabar sobre ambas. Abraçando o corpo da criança e usando o seu corpo para proteger aquele pequeno ser. Casey via o mundo ficando cinza e fechava os punhos em uma raiva que explodiria.
- CECILE...
Esbraveja de modo ríspido, buscando mais uma vez aquele olhar. Buscando mais uma vez aquele cheiro almiscarado e pungente, enquanto sentia o fino fio de sangue que escorria a sua face pálida. Mas seu coração quase parou no momento em que viu aquela que parecia nunca ceder aos seus toques. Aquela que olhava nos fundo de sua alma enquanto passeava pelos escombros e alcançava aquilo que tanto desejou. Pode ver sua irmã mais velha acalentando aquela criança, pois ainda não era chegada a hora. Podia ver sua irmã derramando uma lágrima enquanto contava uma história para aquela que se encontrava adormecida e escutava pela segunda vez a história que contava a todos que ainda nasceriam. Gostaria de sorver aquela lágrima com seus lábios. Sorver aquele momento único em que os olhos azuis, e tão sombrios como o abismo, observavam as estrelas contidas no sombrio céu que se deitava sobre todos eles, tanto mortais, quanto Perpétuos. Sim... Também daria seu presente à pequena criança de cabelos avermelhados que foi tocada rapidamente por Desespero, durante seus sonhos, mas que ainda conheceria a verdadeira influência daquela alma que tanto desprezava, mas que não conseguia negar os seus toques. Daria um pequeno presente àquela pequena criança de cabelos avermelhados que estava sendo agraciada por todos eles. Casey observa a cena toda de sua irmã mais velha e deixando que seus olhos repousassem sobre um grupo de bombeiros, um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Um baixo sussurro chegou aos ouvidos daqueles que sofriam a influência de sua irmã Cecile. Casey daria o troco. Daria o troco de bom grado, enquanto via os olhos cinza deitarem-se sob seus olhos amarelados.
- Não se atreva...
Os corações daqueles bombeiros batiam acelerados. Suas mãos trabalhavam rápidas. Seus olhos encontravam aquele pequeno corpo de cabelos avermelhados.Sim! Como Casey se deleitava com aquele desejo desesperado que cresciam nos bombeiros, enquanto Kayleigh se afastava do lugar para recolher as outras almas. Como Casey se deleitava com o olhar de sua outra alma que via os bombeiros tocando o pequeno corpo gritando:
- AQUI!!! ESTA CRIANÇA AINDA ESTÁ VIVA!!!
A esperança de encontrar mais pessoas vivas aumentava o Desejo naqueles bombeiros. A esperança que aquela pequena criança de cabelos avermelhados trouxe por ainda ser encontrava viva, era capaz de mover montanhas. Mesmo que sua irmã Cecile ainda tentasse ter um pouco de influência, Casey ria ao sentir o seu toque se espalhar sobre os corações a as almas dos mortais. Ria ao sentir o seu desejo crescer no coração daqueles que estavam ali. Ria ao ver bombeiros, policiais e até mesmo outros sobreviventes, ainda capazes, se unirem para procurar mais almas vivas.
Ah! Como Desejava desta vez ser a pessoa que acalentaria Cecile em seus braços. Mas Casey sabia que aquele dia ainda não tinha terminado.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Destruction... O Pródigo

Há muito havia abandonado o lar. Há muito evitava seus irmãos pelo simples fato de que estivesse ele presente ou não, a própria humanidade se encarregaria de fazer o serviço dele. Queria se dedicar a outras coisas. Queria poder fazer outras coisas. Sempre tentava ser otimista e alegrar seus irmãos. Mas o fato de abandonar o seu lar trouxe-lhe apenas conflito dentre os seus. Talvez apenas sua irmã mais velha fosse tão extrovertida quanto ele. Amava as artes. Amava construir coisas, mas até mesmo ele sabia que às vezes para construir, precisava destruir certos conceitos que pareciam enraizados na alma dos mortais. Talvez por isso ele não conseguia se ver como aquilo que deveria ser, mesmo sabendo quem ele era e que acabava por fazer aquilo que tinha que fazer. Talvez seja por isso que tenha virado as costas e ido embora.
Ele se encontrava bem. Curtia sua vida dentre os mortais. Levando a vida como ele achava que deveria ser levada, mas algo parecia o incomodar nos últimos dias. Algo que pulsava forte em seu coração e que ele não poderia escapar.
Nunca uma tarde parecera tão tranqüila quanto aquela.
- Há algo... Eu sei que há...
Olhava-se no espelho. Olhava de modo firme deixando seus olhos perder-se em seu reflexo. Perder-se na escuridão que parecia crescer naquele simples objeto reflexivo que era capaz de abrir portais para um mundo. Seu coração acelerava a cada momento em que aquela escuridão parecia crescer enquanto sua mão esfregava o queixo sentindo a barba por fazer. Lembrava-se de tempos passados. Tempos em que possuía uma barba mais espessa. Tempos em que estava junto a eles.
- Não há como escapar...
Ele podia escutar aquela voz sibilante e fria como se a mesma fosse sua. Sentia uma raiva crescente em seu coração, por conta daquela voz que parecia sibilar de modo frio e envolvente. Seus olhos ganhavam uma grande fúria e sua mente voltou a despertar, quando escutou o estilhaçar do espelho em vários pedaços e um líquido quente descer entre os nós dos dedos, enquanto a dor tornava-se presente em meio aos seus gritos.
- NÃO! NÃO DESTA VEZ.!!! VOCÊS NÃO PODEM ME OBRIGAR!!!
Tristan fechava os olhos em tons raros e depois os abria vendo o sangue fluir em sua mão enquanto aqueles cacos permaneciam ali para lembrá-lo de sua condição. Com calma retirou caco por caco, deixando que eles caíssem dentro da pia. Abria a torneira deixando a água lavar sua mão e então saía dali. Saía daquele lugar que agora possuía um espelho quebrado. A janela para um mundo completamente lacrada e que não poderia mais trazer aquela voz sibilante. Há tempos não se sentia daquela forma. Não perdia o controle. Olhava pela janela e se espantava ao ver que a noite já tinha alcançado a cidade e se mantinha silenciosa.
- Que sonhos você pretende trazer para mim?
Deixava a frase escapar, enquanto fechava a janela de seu quarto.
Em sua alma ele sabia que teria que seguir uma trilha. Que deveria cumprir o seu destino. E tal destino seria cumprido, quer ele gostasse ou não.
Deitava-se achando que teria uma noite tranqüila, mas seus sonhos mostraram o caminho que ele deveria seguir. Sonhos que o agitavam na cama, que o faziam cerrar os dedos nos lençóis macios, mesmo parecendo sentir uma mão afagar seus cabelos de um vermelho intenso. Seu coração se acelerava e sua agonia crescia com aqueles gritos que ele escutava, com as lágrimas que ele via. Queria despertar, mas não conseguia.
Seus olhos em tons âmbar olhavam tudo ao redor, era para ser uma tarde tranqüila. Era para aquelas pessoas voltarem para suas casas. Para suas vidas.
- Não.... Não....
Tristan erguia seus olhos vendo aqueles aviões passando. Sentia seu coração acelerando.
- Não... Não...
Seus olhos seguiam a trajetória de cada um daqueles aviões. Sabia muito bem que trajeto cada um seguiria. Seu corpo suava. Seus joelhos tocavam o chão enquanto suas mãos alcançavam-lhe a cabeça e os cabelos de um vermelho intenso.
- Estas apenas cumprindo o seu Destino...
Ele podia escutar a voz da mais velha, podia ver os olhos que poderiam ser negros, mas que eram de um azul tão escuro quanto o abismo do mar. Então veio aquele monte de gritos. Gritos desesperados que já sabiam seu destino. Veio o som surdo do impacto de algo metálico contras o concreto e o vidro. Por um momento tudo se transformou em silêncio. Por um momento ele pode ver um mundo cinza, onde pedras caíam ao redor dele e então o silêncio foi rompido. Rompido por uma segunda explosão. Uma explosão trouxe lágrimas, que trouxe dor, que trouxe ao mundo a incompreensão e a raiva, grito incrédulos, gritos de dor, gritos de Desespero.
- NÃO!!!!
Tristan se erguia na cama, suado. Seu coração beirava ao que os mortais chamavam de ataque cardíaco. Não podia acreditar. Não queria acreditar.
- Que tipo de brincadeira é essa?
Bradava suas palavras até escutar o som da televisão acesa...
Tristan caminhava então para a sala e nela a notícia parecia se repetir como um disco velho e arranhado.
- Nesse dia 11 de Setembro, um poderoso e terrível ataque terrorista, atingindo as duas torres do maior conjunto comercial do mundo, o World Trade Center, em Nova Iorque, veio abaixo horas após ter sido parcialmente destruído por duas aeronaves comerciais Boeing 767, com um total de 157 passageiros a bordo....
...
- Bombeiros, policiais, até mesmo pessoas da comunidade se esforçam para resgatar as vítimas do atentado...
...
- O caos está instaurado. Os americanos bradam por justiça....
...
- É encontrada uma criança em meio aos destroços... A criança de cabelos avermelhados parece bem e está sendo encaminhada para o hospital...
...
Tristan mudava os canais, vendo um por um... Mas as notícias ainda mantinham aquela voz... Aquela voz que parecia sibilar em seu ouvido....
- Você apenas fez o que tinha que ser cumprido, meu doce irmão... Doce Destruição...

domingo, outubro 15, 2006

Sandman... O Moldador de Sonhos...

Teve vontade de se aproximar. Teve vontade de dizer para ele não trazer tantas esperanças àquelas crianças. Teve vontade de dizer que ele estava as alimentando com ilusões, mas se assim o fizesse, qual seria o propósito dele entre aqueles que ainda podiam sonhar? O que seria dele se as crianças não tivessem mais sonhos e deixassem de acreditar?
Gawain ficou muito tempo meditando nas palavras que seu irmão mais velho falou para aquelas crianças, sobre quão cruel era sua vida aonde ele era visto como um Deus que não podia ser contestado e que nem mesmo poderia ser aplacada sua fúria.
- Elas não conhecem Destruição, nem mesmo Desespero.
Murmura em tom baixo, mantendo os olhos negros fixos ao chão. Deixava os dedos se entrelaçarem uns com os outros , enquanto crispava os lábios em um suspiro delongado imaginando a última noite tranqüila que aquela cidade possuiria.
Seus olhos nem mesmo se ergueram para ver o irmão que se afastava pelas sombras para que os outros não notassem que o mesmo não possuía uma. Pode sentir a presença de sua irmã mais velha. Aquela que aplacava seus anseios. Que parecia dizer as palavras certas de forma sorridente, mesmo que muitos, às vezes não a compreendessem.
- Ainda não poderemos passear.
Murmurava, enquanto se erguia e voltava a caminhar. A Blusa negra sacudia com o vento frio, bailando em seu corpo esguio. As mãos passavam sobre os cabelos negros naquele ato que o poderia levar ao Desespero enquanto o tempo parecia correr tão rápido contra ele. Tantos sonhos a visitar. Tantos sonhos a moldar. Mas eram os sonhos daquela cidade que estavam o deixando tão pensativo. A noite então se aproximava e o momento era chegado. Seus passos não mais podiam ser ouvidos e com o erguer da mão, Gawain podia ver os pequenos pontos dourados se unindo aos poucos formando um pequeno punhado de areia. Nem mesmo o vento parecia conseguir espalhar aquela areia que ele observava com tanta atenção e calma.
- Que em meus braços eu possa embalar seus sonos, para que em meu reino vocês possam adentrar. Venham... Venham... Minhas doces crianças, pois com este punhado de areia eu não trarei o terror a vocês... Quando vocês sonham, algumas vezes vocês se lembram, mas quando acordam, vocês sempre se esquecem. Assim é o meu mundo, o mundo onde moldo os sonhos que vocês tanto anseiam em chegar...
Gawain sopra de forma calma aqueles primeiros grãos do punhado de areia que esperavam apenas por aquele momento e junto com outros grãos que pareciam sair de uma alforja se espalhavam pelo céu noturno como o brilho das estrelas que eram como pontos de esperança para um novo dia.Gawain observa, quando as casas apagam suas luzes, quando os anseios são deixados para trás e palavras como Bons sonhos pareciam ser tão bem vindas. Seus olhos negros pareciam firmar-se no sono de uma criança e ali ficou ao lado dela quase que a noite inteira.
- Muitos nomes eu possuo. Sandman, Oneiros, Kai'Ckul, Morpheus... Mas não sou o Morpheu que vive no mundo fantasioso ao qual chamam de Matrix e nem tão pouco Sonhar seria como aquele mundo que tantos parecem adorar.
Gwain observava aquele pequeno corpo que dormia de forma inocente, tentava acalmar o sono agitado que a criança possuía, trazendo os sonhos ao invés dos pesadelos.
- Alguns me chamam de Moldador de Sonhos. Enquanto na cultura Grega sou filho de Hipnos. Hans C. Andersen dizia que não há ninguém no mundo que saiba tantas histórias quanto eu sei e que de noite, quando as crianças ainda estão à mesa, muito quietinhas, ou sentadinhas em seus bancos, que eu tiro os sapatos e subo a escada muito devagar, abrindo a porta sem fazer barulho e soprando areia nos olhos delas.
O sono da criança se acalmava e Gwain apenas cobre o corpo dela direito, deixando-a aquecida. Pode ver o que ela sonhava. Pode ver que sonhos ruins aquela criança possuía. Por um momento sabia que aqueles sonhos se tornariam realidade e como desejava interferir. Mas quase podia sentir os olhos de seu irmão sobre ele. Um olhar que reprovaria tal ato.
- Bons sonhos criança...
Gwain ia se afastando, pois chegava a hora em que o sono se tornava leve e que as pessoas começariam a despertar.
- Boa Noite Morpheus...
Vinha àquela voz inocente que fazia Gwain por um momento parar os passos. Seus olhos negros mais uma vez repousavam sobre a criança adormecida que o respondeu enquanto dormia. Era chegado o momento e os dourados raios adentravam pelas frestas da persiana e ali naquele quarto apenas eles tocavam os cabelos avermelhados da criança, pois não mais Gwain se encontrava ali. Mais uma vez ele se encontrava pensativo. Meditando sobre o sonho que viu. Um sonho que viria a ser realidade ainda mesmo naquela tarde.

segunda-feira, outubro 09, 2006

Death... A Certeza das Incertezas...

Seus olhos deitavam, sobre aquele que se afastava a passos calmos e que caminhava às sombras das árvores. Tinha grande carinho pelo mais velho dentre eles, mesmo quando ele não dizia muitas palavras. Ver o Irmão mostrando as trilhas que ele ofertava, para as crianças que o escutavam, mais do que escutariam quando estas atingissem a fase adulta, trouxe-lhe uma paz que seria interrompida em poucas horas. As palavras de Destino sempre foram certas, por mais que os mortais tentassem negar, e quantas vezes pode ouvir as lamentações e os praguejares que culpavam o irmão mais velho quando tinham sidos eles próprios os responsáveis por suas escolhas?
Com calma seus olhos se erguiam vendo aquele dia que findava. Kayleigh podia escutar o silêncio que aumentava enquanto o manto da noite deitava-se sob o céu deixando o azul tornar-se negro e pequenos pontilhares surgirem em forma de esperança.
Esta seria a última noite tranqüila que o terceiro poderia trazer para as almas dos desavisados. A última noite tranqüila que haveria por um longo tempo. Sentia saudades do irmão, mas ainda não era o momento certo, para que ambos caminhassem mais uma vez e ela pudesse acalmar-lhe o coração. Talvez ela fosse a única que o compreendesse.
A noite transcorria de forma silenciosa e fria. Trazia a calmaria antes da tempestade. Faltava tão pouco, tão pouco para que as lágrimas fossem derramadas em uma dor que nem mesmos os risos que tinham sido dados, seriam capazes de aplacar tamanha dor. Nem mesmo seus dedos finos que percorriam as paredes daqueles imensos prédios traziam um sorriso em seus lábios.
- Está chegando o momento.
A noite correra como uma criança. Correu como aqueles que correm para seus braços. Kayleigh fechava seus olhos. Sentia o sol tocar-lhe a pele clara tentando aquecer o coração que se tornava frio. Havia chegado o momento, podia sentir a presença de mais um irmão.
- Estas apenas cumprindo seu Destino...
O som surdo do impacto de algo metálico contra concreto e vidros, por um momento trouxe o silêncio. Um silêncio que traria a explosão que traria as lágrimas, que traria a dor, que traria ao mundo a incompreensão e a raiva, parecia parar naquele ínfimo momento e então veio a explosão de gritos. Gritos incrédulos, gritos de dor, gritos de Desespero. Ali dois irmãos mais se uniriam, mas tudo ao seu devido tempo.
Mais tarde o vento brincava com os longos fios negros. Fios que brincavam diante dos tons azuis. Sombrios estavam como o mais profundo abismo. Ao ver seus braços a aquecer o pequeno corpo perdido. Quão triste era o retorno da inocente alma. Quão triste era o lamuriar do vento frio. Vento frio que tentava abrandar as chamas. Chamas a crepitar no Inverno aquecido. Um Inverno que chegara a alma dos humanos, não como a estação que deveria chegar no momento certo, mas como as tristezas que aquela estação parecia impor nas almas daqueles que lutavam.
- É apenas isto...
Suspirava ao deixar suas palavras escaparem. Suspirava ao enxergar o corpo adormecido em seus braços em meio a tudo aquilo.
- Se você vai ser humano, tem um monte de coisas no pacote...
Deixava então os dedos alcançarem o inocente rosto. Traçando os traços tão bem vividos.
- Olhos, um coração, dias e vida.
Sorria deixando uma lágrima descer a face pálida que possuía. Face que ganhava cores com o crepitar das chamas que estavam em torno.
- Mas são os momentos que iluminam tudo. O tempo que você não nota que está passando...
Mais uma vez suspirava, sentindo a maciez dos fios dos cabelos do pequeno corpo. Deixando a cabeça mover-se e observar sobre um dos ombros a fumaça negra que subia. Via o lamuriar das almas sobre os corpos. Lamuriar daqueles que não tinha compreendido.
- É isso que faz o resto valer, pois quando a última coisa viva morrer...
Voltava os olhos sobre o corpo que se mantinha aquecido em seus braços.
- Meu trabalho estará terminado...
Sorria enquanto afagava o rosto de quem ela confortava.
- Então, eu colocarei as cadeiras sobre as mesas... Apagarei as luzes... E fecharei as portas do universo, enquanto o deixo para trás.
Com calma ela repousa o pequeno corpo ao chão. Puxando as mechas vermelhas para o lado, repousando um beijo na pequena fronte de quem ela tanto confortou.
- Mas a morte não é o fim de tudo...
Sorria ao erguer o corpo.
- Não mais é o fim nestes tempos vividos...
Seus passos se afastavam daquele pequeno corpo. As chamas pareciam se apagar aos poucos.
- Pois a morte é apenas o início de uma nova vida...
A escura noite ganhava novos tons. Não mais alaranjados... Não mais cinzentos. Ganhavam tons azuis e vermelhos. Ganhavam vozes que continham vida. Tinha contado mais uma vez aquela história para alguém que já tinha a escutado. Afastava-se daquele pequeno corpo pois muito ainda precisava ser feito e aqueles que precisavam partir precisavam compreender que o momento havia enfim chegado. Em algum lugar um cadarço era amarrado com calma, enquanto a mente se perdia em pensamentos. Em algum lugar um grito era ouvido.
- AQUI!!! ESTA CRIANÇA AINDA ESTÁ VIVA!!!

Destiny.. Contador das histórias que são, foram e serão...

- Ele vê as coisas como são, foram e serão. E foi o senhor das coisas que não foram e jamais serão. Destino é uma divindade cega, inexorável nascido da Noite e do Caos...
Pequenas risadas podem ser ouvidas e uma pequena voz que parecia temerosa, mas determinada, puxa então parte do tecido de sua calça.
- Destino é cego como você, Aengus?
- Shhhhh!! Deixa ele continuar...
Vinham as outras vozes infantes que estavam sentadas ao redor de Aengus com seus olhos brilhantes, vendo aquele homem de olhos acinzentados, quase azulados, que carregava sempre com ele um livro dentro da bolsa a tiracolo. Aengus permanecia com os dedos dele sobre o livro, com um sorriso aos lábios, quase podendo ver as crianças impacientes e ansiosas, abraçadas às suas pernas, observando o homem cego, com pesado casaco marrom que o protegia. As crianças pareciam se divertir toda vez que ele aparecia a andar pelo parque, conduzido por sua bengala. Tão certo em seus passos, como se pudesse enxergar. Mas ao que o questionavam, as cores de seus cabelos, de suas roupas ou a cor do que estavam comendo. Aengus sempre os deixavam em mais dúvidas do que já se encontravam, dando sempre respostas dúbias para as pequenas cabecinhas pensantes que muito iriam trilhar em suas vidas.
- Continue!! Continue!!
Vinha o pequeno coral, esperando os dizeres daquele homem que parecia tão sábio e que tinha a voz como o farfalhar de velhos pergaminhos numa biblioteca tarde da noite. Quando as pessoas já tinham ido para casa e os livros começavam a ler a si mesmos. Assim como Aengus diria a eles. A mão dele encontrava os cabelos anelados da criança que estava a puxar-lhe parte da calça e por um momento afagava os cabelos, voltando a ler para as crianças que sempre buscavam conselho ou histórias com ele.
- Todas as outras divindades estavam submetidas ao seu poder. Os céus, a terra, o mar e os infernos faziam parte do seu império. O que resolvia era irrevogável. Em resumo, o Destino era por si mesmo essa fatalidade, segundo a qual tudo acontecia no mundo.
Os olhos se arregalavam e pequenos burburinhos se faziam, tentando não atrapalhar Aengus em seu desenrolar do conto que falava sobre Destino.
- Júpiter, o mais poderoso dos deuses, não pôde aplacar o Destino nem a favor dos outros deuses, nem a favor dos homens.
A voz mais uma vez exaltada parecia surpresa, pois Júpiter era um deus conhecido nas lendas das lições de casa ou até mesmo da mitologia romana onde era o Pai dos Deuses.
- Mas... Mas.. Ele é o pai de todos os deuses. Como? Como ele não pôde aplacar Destino?
Mais uma vez Aengus afagava os cabelos anelados daquela criança, enquanto a outra mão passeava pelo livro que parecia tão bem escrito.
- As leis do Destino eram escritas desde o princípio da criação em um lugar onde os deuses podiam consultá-las. Os seus ministros eram as três Parcas encarregadas de executar as ordens. Representam-no tendo sob os pés o globo terrestre, e agarrando nas estrelas, e um cetro, símbolo do seu poder soberano.
Mais uma interrupção e muitos Shhhhs! Pedindo silêncio, arrancam mais um sorriso nos lábios de Aengus. Seus olhos não pousavam sobre aquele livro, apenas seus dedos passeavam sobre as linhas tão bem escritas. Finos traçados espirais das galáxias no vazio, onde ele sentia os intricados padrões da vida em sua jornada através do tempo.
- Para mostrar que era inflexível, os antigos o representavam por uma roda que prende uma cadeia. No alto da roda uma grande pedra, e embaixo duas cornucópias com pontas de azagaia. Conta Homero que o Destino de Aquiles e de Heitor é pesado na balança de Júpiter, e como a sorte do último o arrebata, sua morte é decretada, e Apolo retira o apoio que lhe dispensara até então. São as leis cegas do Destino que tornaram culpados a tantos mortais, apesar do seu desejo de permanecerem virtuosos: em Ésquilo, por exemplo, Agamemnom, Clitemnestre, Jocasta, Édipo, Eteoclo, Polínice, etc... etc... etc... Que não podem fugir à sua sorte.
Vozes adultas gritam chamando as crianças, em certo ponto aliviadas por aquele estranho ter aparecido naquele parque. Muitos pais podiam estranhar ou ficarem arredios, mas a calma e a paz que aquele homem passava às crianças que pareciam tão atentas as suas histórias que falavam sobre lendas e as conseqüências dos caminhos escolhidos, tornaram Aengus uma babá perfeita para dar um pouco de tranqüilidade aos pais que iam até o parque buscar um pouco de paz. Alguns:
"- Aaaah!!! Já temos que ir?"
Podiam ser escutados e Aengus sorria de forma plácida fechando seu livro guardando-o na bolsa que ele carregava.
- Não sejam arredios, pois muito vocês ainda precisam trilhar para que seus próprios passos possam dar sem a devida proteção de seus pais, ou as mãos que os reerguerão quando caírem nas trilhas incertas.
Uma algazarra é feita e muitos adeus são dados, mas ali mesmo Aengus os corrigia.
- O Adeus é uma palavra longa demais para ser dita. Até breve é o que espero e hei de esperar.
Corriam as crianças para seus pais, gritando até breve para Aengus. Seus olhos cegos baixam-se então para o livro já guardado, onde novas linhas estavam sendo escritas em seu livro. Com calma acaricia aquela capa feita em couro e tão velho como o próprio tempo ou até mesmo Destino, deixando um breve murmurar escapar daqueles lábios que agora pareciam tão sérios.
- Só os oráculos podiam entrever e revelar o que estava escrito no livro do Destino. Aonde várias trilhas por onde ele poderia seguir, surgiam. Mas, sempre haveria apenas uma por onde ele veio e seguirá, pois o que passou, passou, e não há mais como retornar.
O sol tornava-se cada vez mais fraco e os passos de Aengus seguiam sob as sombras das árvores daquele parque que estava tão vivo com a presença das pessoas e que agora ficava cada vez mais frio e silencioso.
- Muitas lágrimas serão derramadas em breve, e nem mesmo os risos de hoje conseguirão aplacar a dor que virá, minha irmã...