domingo, outubro 22, 2006

Despair... A Sombra no Coração...

Não compreendia o que aquela pequena criança tinha de tão especial. Não compreendia o que seu irmão mais velho pretendia fazer com aquela pequena criança de cabelos avermelhados. Mas desde que Destino afagou os cabelos daquela criança enquanto ele contava a sua história no parque, ela sabia que teria um papel naquela trama toda. Seus olhos observavam aquela pequena criança pelas janelas que tinha em seu reino. A dor que seu pequeno anel em forma de gancho a proporcionava não se comparava ao desejo que ela possuía de fazer a criança sofrer.
Precisava possuir aquela criança. Precisava fazer-la sofrer. Mas como fazer-la sofrer? Cecile se mantinha mergulhada em seus pensamentos quando sentiu um calafrio subir-lhe pela espinha e seus olhos encontrarem aquele que há muito havia abandonado-os.
- Eis que o bom filho a casa torna.
Sorria, quando seus olhos cinza afixavam-se naqueles olhos em tom âmbar. Ele parecia saber que teria que cumprir aquilo que ele teria que cumprir.
- Há algo... Eu sei que há...
Cecile sorria de modo frio. Ele nunca havia se perdido daquele jeito. Destino sabia o que fazia, sabia ser implacável se necessário. Destruição estava cada vez mais perto dela em suas dúvidas. Em seus anseios. Seu coração acelerava e ela podia sentir.
- Não há como escapar...
Sussurrava de modo sibilante e frio, como se ela mesmo fosse o pródigo, mas talvez ela tenha pegado pesado demais e a resposta não foi nada agradável. O Pródigo quebrava o espelho. Lacrava aquele portal para o mundo que ela tão bem comandava. Mas ele ainda não estaria livre dela. Não tão facilmente assim, ainda mais quando Sonho fez dormir aquela criança que ela tanto desejava, e esta criança teve o prazer de entrar nos sonhos de Destruição. Ah! Como àquela hora pareceu tão deliciosa. Quando pode deixar as mãos dela repousarem sobre o coração pequenino e ela pode fazer a criança começar a sentir o verdadeiro medo do que estava por vir. Deleitava-se com aqueles sonhos tranqüilos que se tornavam pesadelos em suas mãos. Mas aquele olhar negro que continha o brilho das estrelas possuía um entoar tão forte de suas palavras. Sua presença era tão forte perante ela, que Cecile pode sentir quando o coração pequenino escapava de suas mãos e os pesadelos mais uma vez se tornavam sonhos. Cecile rasgava a pele acinzentada e pegajosa, deixando o sangue negro descer. Sorria de forma quase insana, desejando aquela criança para ela. E a teria em seu devido tempo, mas agora seus olhos voltavam-se então para alguém que dormia agitado. Alguém que os pesadelos não poderiam ser transformados em sonhos e que agora estava à sua mercê, graças a Sonho e a pequena criança de cabelos avermelhados.
- Ele tem uma missão a cumprir... Um Destino a seguir...
Sim! Os dois estavam ligados. Destruição e a pequena criança, mas o tempo corria para os mortais, enquanto o tempo agia de modo estranho para eles. Gargalhava com tudo aquilo. Destino sabia como ser cruel. Seus passos a levaram para aquele que via as coisas no tempo real, enquanto a criança viu tudo antes em Sonhar. Suas mãos aos poucos envolviam o coração do Pródigo, enquanto as palavras pareciam repetir em sua mente.
- Ele tem uma missão a cumprir... Um Destino a seguir...
Ela sabia o que estava por vir. Conhecia uma das trilhas que ela teria que seguir. Sua mão mergulhava naquele corpo quente. Suas mãos frias seguravam o coração do pródigo que se agitava enquanto dormia. Enquanto ele via a missão que ele tinha que cumprir.
- Não... Não...
Vinha a voz de seu irmão que abandonou seu reino, por não querer ser mais quem ele era. Por afirmar que os mortais conseguiam se virar sozinhos e que não precisavam deles.
- Sim... Sim...
Os olhos cinza pareciam desbotar o mundo ao redor do pródigo que comandava os eventos que se sucederiam naquele dia que amanhecia sonolento para os mortais.
- Não... Não...
Ele se agitava cada vez mais que o aperto no coração aumentava e Cecile sentia um êxtase enorme com tudo aquilo. Seus olhos podiam ver o que o Irmão via em seus pesadelos. Era chegada a hora... Era chegado o momento... Então suas mãos se fecham com tanta força naquele coração que ela pode ouvir aqueles gritos. Aqueles gritos que ela tanto ansiou por ouvir. Seria capaz de levar seu Irmão para seu reino. O Irmão que acordava em meio ao grito praticamente a separando dele.
- NÃO!!!
Havia se esquecido, quão forte era o Pródigo.
- Que tipo de brincadeira é essa?
Era o que ele esbravejava e Cecile apenas ligou a TV para que ele soubesse a verdade. Para que ele soubesse que havia cumprido o Destino dele. Mas agora aonde ela estava?
O Mundo moldava-se ao seu redor. Ela podia sentir a presença de dois irmãos no meio daquelas nuvens cinza de concretos que explodiram com o impacto. Podia sentir o Desejo que as pessoas tinham de viver. Desejos tão intensos que algumas delas, com o simples passar da sombra daquela mulher sobre elas, foram capazes de matar outras pessoas apenas para sobreviver um pouco mais de tempo. Estas pessoas, Cecile teria prazer de atormentar as suas almas. Fazer com que estas tivessem pesadelos para o resto de suas vidas. Destruir os sonhos que elas possuíam, já que sonhos não passavam de um brinquedo que devia ser descartado quando se tornava adulto. Mas ela queria outra coisa. Ela queria aquela pequena criança que Sonho protegeu. Ter aquilo que era tocado pelas mãos de Sonho, sempre era mais divertido. Mas seu coração pulsou mais forte quando pode ver, ali diante dela não só a pequena criança.
Cecile sorri. Sorri ao ver sua outra metade abraçado à uma mulher. Fazendo com que a mulher desejasse viver para reencontrar o marido. Mas ao se aproximar um pouco mais, via que a mulher olhava para um canto.
- Não...
Seus olhos se enchiam de fúria. A criança que ela tanto almejava estava perto daquela mulher que era alimentada pelo desejo de viver, graças a sua outra metade. Desejo tinha feito a mulher atingir o limiar e se ela não agisse, ela perderia a criança para sua irmã mais velha.
- Eu não vou deixar...
Aproximava seus passos, deixava Desejo sentir sua presença. Deixava a mulher conhecer o desespero que uma mãe teria com a morte de uma criança. Apertava o coração daquela mulher enquanto seus olhos firmavam-se nos olhos amarelados de sua outra metade. Pode sentir a raiva de Desejo quando a mulher escapava dos braços que a confortavam e corria desesperada gritando que não deixaria a pequena criança morrer. Pode ver quando a mulher em seu desespero usava o próprio corpo para proteger a criança e sucumbia por conta disso. Fazia Desejo perder seu brinquedo, apenas para ela não perder o brinquedo dela.
- CECILE...
Cecile pode escutar aquele grito furioso de seu irmão. Sorria enquanto observava, mas notava quando os olhos amarelados pareciam ficar estáticos e então pode notar a presença da mais velha. Espiava a irmã que acalentava a criança nos braços e contava pela segunda vez a história que era ouvida por todos os mortais. Estavam ali... Casey e Cecile vendo aquela cena que para ela parecia tão patética. Por que ela se importava em contar aquela história? Por que ela contava aquela história? Foi então que ela percebeu.
- Não se atreva...
Seu coração era tomado de fúria, quando ela via a irmã repousar um beijo na testa da pequena criança e indo cuidar das almas dos que partiram. Era tomado em fúria quando Casey sorria de modo vitorioso no momento em que os bombeiros encontravam aquilo que ela tanto desejava. Queria matar Casey. Queria esmagar seu coração por conta de tamanho desaforo. Mas o poder de Casey crescia. Crescia com aquele Desejo dos mortais de encontrar mais pessoas vivas. Tinha que partir... Tinha que sair dali...
- Ainda nos encontraremos Casey...
Saía... Saía furiosa dali. Naquele dia Casey não teria o consolo em seus braços. Sua outra metade deveria estar no auge de seu deleite por conta daquela vitória. Mas haveria outras almas que ela tocaria e tais almas viriam nos dias seguintes, enquanto a fumaça era exalada diante daqueles olhos cinza. Aqueles olhos da cor do céu naqueles dias cinza e úmidos que desbotam o significado do mundo, fixos no olhar de quem engolia a seco quando apertou a sua mão fria, porém suada. Como se o inverno fosse o dia mais quente do verão para aquela mulher. Cecile parecia apertar o coração do homem com as próprias mãos, mesmo estando somente sentada ao outro lado da mesa observando-o naquela situação. Olhar-la nos olhos estava sendo difícil para ele e escutar a voz naquele tom baixo que não passava mais do que um sussurrar, trazia a agonia de estar ali diante daquela mulher.
- Você ainda não a encontrou?
Cecile falava muito pouco e mesmo que se deleitasse com o nervosismo do homem na cadeira mais adiante, os olhos dela não ousavam desvencilhar. Parecia vasculhar a alma que gritava em desespero para querer sair de perto e pedir demissão.
- N-Na-Não... Senhora... Senhora...
A fumaça era soprada sobre o rosto do pobre homem quando ele ousou dizer o seu nome e a tosse repentina fazia com que um sorriso surgisse aos lábios de modo fraco.
- Você está me decepcionando.
O Homem passava a mão ao rosto e respirava fundo, suando de nervoso.
- Eu vou encontrá-la. Apenas preciso...
Ela apagava o cigarro, olhando para o lado. Os olhos dela se firmavam em uma janela que estava sendo aberta.
- Você tem se olhado no espelho?
A voz do homem vinha meio que surpreendida por aquela pergunta que nada tinha haver com o caso.
- C-Co-Como?
Ela voltava os olhos para um local vazio daquele ambiente. Lembrava-se de coisas que ocorreram no passado.
- Não acredite em Sonhos detetive. Os sonhos não são nada.
- Senhora... Eu... Não compreendo... O que tem haver o fato de me olhar no espelho e os meus sonhos?
O Homem ficava cada vez mais confuso. Aquele cheiro almiscarado parecia tão presente e ele estava começando a achar que estava vendo coisas demais. Sentia-se perturbado perto daquela mulher. Sentia-se angustiado. Uma angústia tão grande quanto a que ele sentiu no dia 11 de Setembro. Quando escutou aqueles gritos, quando viu aqueles corpos. Quando se olhou no espelho depois de receber a notícia da esposa que morreu naquele dia e que uma criança sobreviveu. Mesmo estando as duas no mesmo lugar. Ele não conseguia aceitar que uma criança de cabelos vermelhos tenha sobrevivido e a esposa não.
- Não serão seus sonhos que o farão encontrar a minha irmã, Detetive. Pois os Sonhos não são nada.
O homem erguia o olhar para aquela mulher e se assombrava ao ver aqueles olhos tão próximos.
- Esqueça seus sonhos Detetive. Eles apenas o matarão.
Ela se afastava depois de assombrá-lo. Sorria de forma calma ao passar pela porta enquanto o homem pegava um lenço do bolso e enxugava o suor que escorria pela fronte.
- Definitivamente eu preciso de férias... Urgente!!!
Murmurava o homem, guardando mais uma vez o cartão daquela mulher na carteira. Um cartão em que o sublinhado sobre o nome, lembrava como se um gancho tivesse passado abaixo do único nome acompanhado do telefone.
- Cecile...
Era incrível como aquele caso apareceu justamente em um momento em que ele estava em total Desespero. Ele precisava encontrar a irmã daquela mulher logo, pois só assim se livraria da presença dela. Daquela mulher que sempre parecia o levar para a angústia de ter perdido a esposa.

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