segunda-feira, outubro 23, 2006

Delirium... O Mundo Visto de Uma Forma Diferente...

- Não está aqui... Eu sei que eu perdi, mas o que perdi?
Coçava a cabeça a pensar. Seus cabelos se desgrenhavam. Alaranjados ou seriam avermelhados como os peixes dourados de um aquário que bailavam entre mechas de outras cores. Às vezes eram amarelas, rosas, azuis, às vezes as mechas possuíam as cores do arco-íris, mas nem tão pouco as pessoas conseguiam notar quantas cores os cabelos de Gale poderiam ter. O cachorro sentava-se a observá-la às vezes coçando a cabeça com uma de suas patas, às vezes a esperar. Gale revirava as latas em busca do que tinha perdido e um grito mais firme a fazia voltar seu olhar para aquele que estava a gritar.
- Hey! Sua punk... Vá revirar o lixo em outro lugar!
A garota olhava para um lado e depois olhava para o outro. Olhava para cima e depois entre as pernas.
- Não... Não... Não... Não há nenhuma punk aqui, apenas eu estou aqui... Ou será que ela se escondeu aqui?
Revirava os bolsos de suas roupas em busca da punk que o homem tinha dito e não conseguia encontrar.
- Ai por todas as coisas que há... Aonde está? Perdi uma coisa mais?
Olhava de forma zangada para o cachorro que olhava intrigado.
- Cachorrinho mal. Como você deixou ela escapar? Agora são duas coisas que precisamos encontrar.
O homem olhava incrédulo para a moça que parecia ralhar com o cachorro, falando sobre coisas perdidas. Gale começa a rir abraçando o cachorro então. Saía saltitando daquele beco fazendo o homem pender a cabeça ao ver o que pareciam peixes dourados a voarem sobre a cabeça tresloucada de Gale.
- Mas o que?
Sacudia a cabeça uma vez mais e quando voltava a olhar não mais ela estava lá. Por um momento coça a nuca a pensar se não estava ele ficando louco, mas as latas reviradas diziam que assim não estava. Adentrava de novo o bar, pensando se não era estafa e se não foi um cachorro que revirou as latas. Precisava trabalhar. A noite seria longa e ele já parecia cansado com todo aquele trabalho. Mas a mente pregava-lhe peças com as lembranças da garota que a pouco perguntava aonde é que estava.
- Melhor eu esquecer isso...
Murmurava voltando a trabalhar, pois não muito ele podia fazer.
Gale então corria pelas ruas, via as luzes em néons tão coloridos quanto às mechas que ela possuía em meio aos cabelos alaranjados. Ria e se divertia com seu pequeno amigo que corria atrás desvairadamente a latir. Por um momento estremece, quando seus olhos pensam em pesar.
- Não... Não... Elas não estão aí... Eu já procurei e não hei de encontrar...
Batia o pé parecendo se zangar.
- Quer sorvete de avirilã ou eu devia usar uma coberta? OBA!! Pique-pega!!!
Corria entre os carros parados na cidade adormecida por mais um dia. Via coisas que não se via com outros olhares que haveriam de observar e não eram observadas. Via o parque e dizia:
- Que delícia este é o meu lugar...
A noite corria se transformando em dia e seus pés iam e vinham junto com o ranger das correntes. O vento se divertia a bagunçar-lhe os cabelos. Cabelos vermelhos ou seriam alaranjados como os peixes dourados que enfeitavam os espelhos. Espelhos formados pelas paredes dos aquários que brilhavam distantes da moça que estava a balançar. Crianças riam ao ver a moça balançando cada vez mais alto, deixando os pés soltos ao ar. O Cachorro latia com a língua pendida. Pendia a cabeça a observar a alegria.
- Não se acanhe!!! Não se acanhe!!! Venha!!! Venha!!! Vamos balançar!!!
Como ria e se divertia.
Ria e se divertia com os adultos constrangidos que puxavam as crianças que corriam em volta, prontas para voar. O cachorro latia e corria a girar. Latia! Latia! Ao seu rabo buscar. Ria gostoso, um riso infante, balançando mais altos com os olhos brilhantes. Um Verde vívido e tão vívido quanto a Ilha Esmeralda. Ilha salpicada das prateadas estrelas que nesta terra caíam. Outro azul como um estranho azul. Azul intenso como um fluído rio. Rio que bombeia o coração da mulher que era uma menina nos devaneios das crianças que riam.
- AAAviããão!!!
Com as mãos soltas ao ar. Tentava buscar o avião que cruzava o ar. Tosse por um tempo com a poeira erguida e lábios tremem com a nova ferida. Sente um focinho a lhe tocar e logo o latido está no ar. Em um pulo ergue-se dando risadas. Correndo com os braços abertos a imitar o objeto que tentou alcançar.
- DESTRUIÇÃO!!! DESTRUIÇÃO!!!
Corria em direção a fumaça cinza que se erguia, enquanto vozes gritavam em tamanho pavor...
- Oh! Meu Deus!!!
O Cachorro corria atrás daquela moça que para todos parecia ter vindo de uma noite bem vivida. Noite de porre em deleites baquianos, ou deveria se dizer que Baco brindava com seus nobres amigos uma noite festiva? Carros de Bombeiros cruzavam as ruas, dando seus gritos na busca dos feridos. A moça parava olhando para um poste, deslizando a língua no frio aço empoeirado pelo desastre ocorrido.
- Talvez um pouco mais de pistache, mas você teria visto este moço lindo?
Apontava um retrato que tinha em suas mãos, com traços que em nada condiziam ao que seus olhos tão diferentes viam.
- Não? Então obrigada!
Fazia uma longa reverência de forma exagerada e logo, logo ela partia a acenar. Dizia tchau para o poste empoeirado, enquanto continuava a buscar.
- Por tudo que há de estar... Aonde é que foi parar?
O cachorro latia enquanto as ambulâncias corriam, corriam para salvar as vidas em tudo que desabou naquele dia.
- Ali!!! Ali!!!
Agitava os braços ao ver algo que corria.
- Ali está o que eu tinha que encontrar...
E logo corria, com o cachorro a latir. Via o carro branco com tarjas vermelhas e luzes a piscar a correr e a se afastar.
- Pega!!! Pega!! Não deixa escapar...
Barnabás então corria. Corria à frente da menina. Latia de forma incessante, enquanto ela via. Via aquele carro levar o que tanto estava a buscar. Tentava fechar a mão envolta daquele carro, para não deixar escapar. Parava de correr com o Barnabás a se aproximar. Abaixava seu corpo com as mãos fechadas. E em concha começava a espiar pelos dedos o que ela tinha conseguido capturar. Movia a língua e com grande surpresa, surpreendia ao gritar:
- Já sei onde encontrar!!!
Gale responde de forma sorridente. Caminhando novamente para aonde seus pés pudessem a levar. Logo se via em um quarto branco e com um giz de cera começa a pintar.
- Um pouco mais de cor aqui... Umas borboletas ali... E logo teremos peixes a voar. Árvores de biscoito e muita alegria no ar...
Barnabás gane de forma baixa deitando-se desesperançado, mas não podia abandonar aquele quarto tão branco que ganhava um novo colorido. Um colorido que ganhava vida quando ela pegava de uma outra árvore a qual ela desenhara um picolé de telefone que parecia esperá-la
- Huuum... Que gostoso que está e quão bom há de ficar...
Pequenos olhos se abriam e viam aquela tresloucada que sorria. Por um momento o sorriso surgia nos lábios vendo aquele mundo tão colorido, tão diferente de tudo que tinha visto.
- Achei que não me encontraria...
Gale pula ao escutar a voz que vinha no pequeno sorrir.
- Vê? Meus cabelos parecem com os seus...
Aproximava-se da pequena criança e se abaixava para pegar uma mecha avermelhada e juntava com a mecha dos cabelos dela.
- Os seus são mais coloridos...
Gale ri por um momento.
- Mas eu ainda não encontrei a Punk que eu perdi... Estaria ela aqui? Se não terei que procurar... Ai, ai, ai... Ai, ai, ai... Onde é que a punk se meteu?
A criança de cabelos avermelhados sorri com aquela moça de cabelos desgrenhados.
- Talvez ela esteja em outro lugar. Talvez esteja perdida em seu olhar...
Gale ri mais um bocado, desgrenhando os cabelos avermelhados.
- Então? Quando foi que você ganhou isso?
A criança fecha os olhos e sorrindo, não tinha idéia do que ocorria.
- Quando você saiu para me procurar e eu não estava lá. Mas estaria nas linhas de um livro ou estaria a sonhar. Pintaria uma tela que estava para se pintar. Seria a vida. Seria a morte. Teria medo mas encontraria a alegria. Então eu sempre estive lá. Apesar de que eu não sei aonde é o lá.
Gale aplaude as palavras da criança e então sai desvairada e tresloucada.
- Não saia daí... Vou achar a Punk e voltar aqui...
A criança via então Gale sair e o cachorro a acompanhar. Por um momento sorri e logo seus olhos estão a buscar...
- Seria um sonho tudo isso? Como o sonho que vi?
A porta se abria e o colorido partia com um homem que entrava a observar. Os olhos da criança de cabelos avermelhados se voltavam para lá.
- Há muita tristeza em seu olhar. Assim como muita raiva há... O que deixou seu coração tão triste para sua alma ficar tão cinza como está?
O Homem abaixava os olhos com seus punhos a fechar. A Dor parecia crescer em seu peito com a voz daquela criança que enchia o quarto de forma inocente sem saber o que lhe corroia o peito quando estava a olhá-la.
- Poderia contar uma história para mim? Minha amiga logo há de chegar.
Os olhos erguiam-se com lágrimas a observar aquela criança que parecia tão inocente na culpa que ele queria jogar. A raiva desaparecia. As lágrimas cresciam. E ali a criança buscava nele uma coisa muito importante. Não sabia o que estava a procurar, mas sabia que tinha algo a entregar. Não sabia o que entregar, mas sabia que entregaria para aquele homem que tão triste estava em seu olhar.
- Sua amiga pode contar a história quando ela voltar.
A criança suspira erguendo os olhos para o teto que estava tão branco.
- Ela há de demorar... Perdeu algo que precisa encontrar.
O homem se aproximava, olhando a criança que parecia perdida em devaneios. Tão fácil era acabar com aquele tormento. Tão fácil seria acabar com aquelas sombras que estavam a rondar.
- Era uma vez um homem que estava em um parque. Seus olhos tão cinzas pareciam azulados que se perdiam em um mundo que ele não podia enxergar. Um homem que parecia tão sábio e que tinha a voz como o farfalhar de velhos pergaminhos numa biblioteca tarde da noite. Quando as pessoas já tinham ido para casa e os livros começavam ler a si mesmos. Ele nos falava sobre Destino, um destino implacável que não podia ser aplacado, mas mesmo que pensassem isso sobre ele, Aengus apenas aponta os caminhos que podemos percorrer.
- Como?
Perguntava o homem com os pensamentos perdidos diante de tudo que ele ouvia ali.
- O dia se punha a correr e o sono se aproxima sorrateiro. Ainda quando estamos sentados quietos a jantar, Gawain chega devagar. Nenhum barulho ele faz e tirando os sapatos ele sobe as escadas soprando suas areias para que nos sonhos ele possa nos embalar.
A criança contava uma história para ele. Uma história que ele precisava escutar. Em algum lugar alguém passava os dedos sobre um livro, enquanto outro parecia esperar.
- Mas o coração se aperta aflito, quando sonhos se transformam em pesadelos. Em sono agitado ele grita, grita pelas pessoas que são feridas. Tristan nunca quis machucar as pessoas e jamais aceitou as telas que ele pintou. As pessoas ferem-se e são feridas enquanto o sono dele se agita com o coração que partia de tão acelerado que ficou.
Os olhos do homem se enchiam de lágrimas ao escutar aquilo, não sabia por que não conseguia se erguer, mas a história parecia tão vívida na boca daquela pequena criança, que seus olhos quase viam os rostos de quem a criança tão bem parecia conhecer. Outros olhos pareciam se acalmar ao notar que outra pessoa o compreendia.
- Em meio ao mundo cinza dois irmãos se encontravam. Um perfume parecia tão agradável tão diferente do outro perfume que deixava o mundo cinza como o cinza das nuvens em dias nublados e que parecem chorar. Tanto pelos que partiram quanto pelos que ficaram.
- Por favor... Pare... Pare... Eu não quero mais escutar...
Ele estava tão próximo da criança tão próximo da dor que sentia. Sentia seu coração dilacerado. Sentia ele sendo rasgado. Sentia o doce aroma de pêssegos, sentia o perfume almiscarado. Era tão fácil... Tão fácil terminar com aquele tormento. Chorava de cabeça baixa. Chorava com seu peito a gritar e pedindo que aquilo acabasse. Que o sangue se derramasse sobre os lençóis brancos que ali havia e que cobriam o pequeno corpo inocente diante dele.
- Mas aprendi... Aprendi com a Kayleigh que são os momentos que iluminam tudo. O tempo que você não nota que está passando que faz o resto valer. Pois ela diz que a morte não é o fim e sim o início de uma nova vida.
O homem então erguia os olhos assombrados a observar aquela pequena criança que lhe dava um tapa enquanto seu coração parecia ser feito em mil pedaços. Lábios sorriam um fino sorrir, enquanto esperava escutar o desfecho de uma história tão bem contada daquela criança para o homem atormentado.
- E aprendi com Gale que o mundo pode ser mais colorido. Mesmo quando achamos que perdemos algo. Pois quanto mais procuramos menos conseguimos encontrar e quando paramos de procurar enxergamos aquilo que sempre esteve lá.
- E o que eu procuro?
Perguntava o homem sem mais forças para chorar. Sabia que a história estava no fim ou estava para chegar.
- O brilho dos olhos que um dia você perdeu...
- E aonde posso encontrar?
Erguia-se o homem a observar. Deixava as mãos segurarem nos ombros da pequena criança com seu coração a sangrar. Ela era a causa de tudo aquilo. Ela o fez chorar e ansiar pelo dia em que poderia reencontrar aquela que ele tinha perdido mas não conseguia encontrar.
- AONDE POSSO ENCONTRAR?
Gritava levando as mãos ao rosto da criança como se as mesmas pudessem esmagar aquele rosto inocente que tinha ceifado uma vida que deveria estar lá. A criança toca a mão sobre o peito do homem, mesmo sentindo medo do que via naquele olhar.
- Ela está lá a te esperar. Ela está aqui a te olhar.
A dor no peito crescia e o medo ele via naqueles pequenos olhos brilhantes.
- Ela deseja te encontrar.
O homem estava para ultrapassar os limites que ele jamais pensaria em ultrapassar.
- QUEM? QUEM DESEJA ME ENCONTRAR?
Gritava com a criança esquecendo-se de onde ele estava e então a criança aponta na direção da porta, e o homem olhava para a porta para ver o que ela estava a observar e que parecia aliviar os olhos temerosos que ele impôs a ela em seu descontrole emocional. Arthur chora ao ver o que ele via. Chorava ao ver um mundo mais colorido. Chorava ao ver um sorriso que havia partido. Chorava com aquele brilho no olhar que ele achava ter perdido.
- Aí você está!!!
O cachorro latia e os enfermeiros corriam. Gale se aproxima sorrindo, enquanto os enfermeiros carregavam o homem que se encontrava em prantos.
- Isso é um absurdo!!! Cachorros não podem ficar aqui!!! Isso é um hospital mocinha.
- Já estamos de partida. Cuide de suas feridas... Não vê que Aislinn precisa de nós?
Aislinn sorri, enquanto seus cabelos são afagados por Gale. O sono chegava fechando os pequenos olhos de Aislinn que muito compreendia mas nova ela ainda estava. A enfermeira briga mais um pouco e Gale olha para a enfermeira com um olhar muito zangado.
- A hora de brincar acabou Cecile! O pobre homem está a chorar. Feia!!! Feia!!! Deixa Casey te consolar!!!
Os olhos pareciam tão furiosos que a enfermeira estava para avançar sobre a criança de cabelos avermelhados. Barnabás se erguia rosnando para aquela mulher e Gale se erguia sorrindo.
- Ou você prefere que eu brinque de Alice através do espelho?
A enfermeira saía. Vociferava algumas palavras espantando as pessoas ao redor dela. Cecile jamais compreenderia o que tinha de tão importante ali. Gale sorria vendo a criança a dormir.
- Você conhece o caminho. Sabe como chegar. Mas não vá sumir ou vou ter que mais uma vez te procurar.
Em algum lugar Aislinn dava as mãos para um homem. Sorria a observá-lo em seu enorme desnorteio.
- Venha Arthur! Venha! Ela está a te esperar!

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