quarta-feira, novembro 22, 2006

Aislinn... Uma Criança Abençoada

Corria pelo parque em mais uma manhã de sol. Sempre gostava de ir àquele lugar que parecia tão mágico. Quantos caminhos diferentes já tinha feito, descobrindo em cada lugar novo um pequeno tesouro? Seus olhos se enchiam de brilho com tesouros jamais vistos. Mas naquela manhã os tesouros seriam muito mais que Aislinn poderia esperar.Estava ajoelhada, com a cabeça baixa a espiar. Observava um pequeno inseto que parecia tão colorido que não podia deixar de admirar.
- Olá pequenino!
O pequeno inseto saía a voar e no acompanhar dos olhos da pequena Aislinn seu corpo se erguia e ali ela podia ver aquele gentil homem que sentava ao mesmo banco todas as tardes, carregando consigo um grande livro.
- Aengus!
Seu coração disparava com a visão daquele homem de grosso casaco amarronzado que abria a sacola, retirando lá de dentro o livro pouco antes do iniciar da grande algazarra. Seus pés ligeiros se moviam, corria para não perder mais uma história que ele fosse contar. Lembrava-se da primeira vez que tinha visto Aengus naquele parque. Lembrava-se da estranha sensação que acometia seu coração em tamanha felicidade. Tinha certeza nas incertezas, tinha Aengus como o melhor amigo que possuía. Todos se sentavam e Aislinn tinha a certeza de que os olhos de Aengus repousavam sobre ela enquanto iniciava uma história antes mesmo dela chegar. Mordia os lábios, mas perdoava Aengus, pois sabia que o mesmo era cego. Não podia exigir que ele a esperasse para iniciar uma história enquanto tantos outros imploravam. Com calma passava por entre as outras crianças de sua idade. Quando não outras mais novas que se encontravam com seus irmãos, ou até umas crianças mais velhas, pois assim o eram em suas almas mesmo tendo a carcaças de adultos em seus corpos.
- Ele vê as coisas como são, foram e serão. E foi o senhor das coisas que não foram e jamais serão. Destino é uma divindade cega, inexorável nascido da Noite e do Caos...
Não compreendia por que as crianças riam. Crianças como ela que escutavam aquela história. O que poderia haver de tão engraçado naquela história que ela pegou tão bem encaminhada. Aislinn mordia os lábios. Tinha uma dúvida, mas com tantas pessoas ali, seria certo perguntar? Aislinn então puxa a barra da calça de Aengus um tanto quanto determinada, pois se deixasse para depois poderia não ter a chance de perguntar.
- Destino é cego como você, Aengus?- Shhhhh!! Deixa ele continuar...Era o que ela já esperava. Todos queriam escutar a história que Aengus contava. Podia ver aqueles olhares que mostravam sua ansiedade e que não deixariam Aengus responder a sua pergunta com o insistente coro:
- Continue!! Continue!!
Suspirava depois de escutar o insistente coro. Mas o que ela poderia fazer? A voz dele era tão gostosa de escutar, seria capaz de dormir ali, sentada ao chão e recostada ao banco só escutando aquela voz que lembrava o farfalhar de velhos pergaminhos ou das páginas de um livro à medida que iam sendo lidos.
Aislinn sente a mão dele encontrando os seus cabelos anelados e por um momento sentia o afagar dos cabelos. Ele voltava a ler para as crianças que sempre buscavam conselho ou histórias, mas para Aislinn, as palavras ganhavam um significado mágico.- Todas as outras divindades estavam submetidas ao seu poder. Os céus, a terra, o mar e os infernos faziam parte do seu império. O que resolvia era irrevogável. Em resumo, o Destino era por si mesmo essa fatalidade, segundo a qual tudo acontecia no mundo.Aislinn estava mergulhada em sua imaginação escutando aquela história contada por Aengus. Sorriu ao pensar que agora poderia ser ela a estar fazendo “Shhh”! Para os outros ficarem em silêncio, mas seus olhos conseguiam ver que todos se continham para escutar aquela voz que poderia muito bem embalar a todos se ele estivesse a ler ao pé de uma cama.
- Júpiter, o mais poderoso dos deuses, não pôde aplacar o Destino nem a favor dos outros deuses, nem a favor dos homens.
Por um momento, Aislinn esqueceu que Aengus afagava seus cabelos e erguia a cabeça olhando para ele. Um pouco assombrada com o que ele dizia.
- Mas... Mas... Ele é o pai de todos os deuses. Como? Como não pôde aplacar Destino?
Aengus não parecia se abalar com as dúvidas que Aislinn possuía e era isso que a pequena mais admirava em seu amigo. Mais uma vez ela o sentia afagando seus cabelos e aquilo parecia acalmá-la um pouco. Seu coração ainda estava acelerado com tantas dúvidas que surgiam naquela história, mas continuava escutando a história.
- As leis do Destino eram escritas desde o princípio da criação em um lugar onde os deuses podiam consultá-las. Os seus ministros eram as três Parcas encarregadas de executar as ordens. Representam-no tendo sob os pés o globo terrestre, e agarrando nas estrelas, um cetro, símbolo do seu poder soberano.
Ah! Como era difícil conter suas dúvidas em seus lábios mordidos, mesmo com Aengus parecendo querer acalmá-la com os afagos em seus cabelos. Rebuscava o ar e interrompia mais uma vez a narrativa de Aengus, mas logo era repreendida por todos os outros. Por que era tão difícil a eles deixarem com que ela enriquecesse os detalhes? Será que tinham medo de saber mais coisas?
- Para mostrar que era inflexível, os antigos o representavam por uma roda que prende uma cadeia. No alto da roda uma grande pedra, e embaixo duas cornucópias com pontas de azagaia. Conta Homero que o Destino de Aquiles e de Heitor é pesado na balança de Júpiter, e como a sorte do último o arrebata, sua morte é decretada, e Apolo retira o apoio que lhe dispensara até então. São as leis cegas do Destino que tornaram culpados a tantos mortais, apesar do seu desejo de permanecerem virtuosos: em Ésquilo, por exemplo, Agamemnom, Clitemnestre, Jocasta, Édipo, Eteoclo, Polínice, etc... etc... etc... Que não podem fugir à sua sorte.Estava decidida. Não deixaria mais suas dúvidas para trás. Aislinn já levava a mão para puxar desta vez a barra do casaco de Aengus, quando o sonoro grito dos pais não só das crianças, mas dela também chamavam para ir embora. Ela parava a mão no ar, crispando os lábios e os mordendo retraía a mão e se erguia. Ninguém queria ir, todos contestavam, mas Aengus como sempre dizia palavras sábias e Aislinn podia escutar aquele puxão de orelha que ele dava em todos de forma gentil.
- Não sejam arredios, pois muito vocês ainda precisam trilhar para que seus próprios passos possam dar sem a devida proteção de seus pais, ou as mãos que os reerguerão quando caírem nas trilhas incertas.Aislinn sorria, ficava encabulada, escutava aquela algazarra que todos faziam em suas despedidas, escutava os adeus e Aengus dizendo mais uma vez com sua sabedoria.
- O Adeus é uma palavra longa demais para ser dita. Até breve é o que espero e hei de esperar.- Até breve, Aengus!Ela murmurava sorrindo, se afastando. Não conseguia ficar muito tempo sem olhar para trás. Via os lábios de Aengus murmurando algo. Algo que ela queria ter escutado, mas parecia escutar mesmo tão distante. Franzia o cenho como se naquele momento estivesse perdendo um de seus tesouros mais valiosos. Não conseguia escutar as palavras de seus pais que agradeciam aos deuses por Aengus ter surgido na vida de muitas crianças. Queria poder voltar, tinha tantas coisas para perguntar. Tantas coisas que ficaram presas em sua garganta, mas Aengus apenas se erguia indo embora, escapando de seus dedos e ela escapando dos afagares que ele fazia em seus cabelos. A noite se aproximava rápida e nem mesmo depois do asseio e do jantar, nem mesmo depois da história contada por sua mãe, fazia-a esquecer a última história contada por Aengus. Aislinn temia em seu coração que aquela tenha sido a última história que ele contaria no parque, mesmo ele dizendo até breve. Enrolava-se nas cobertas, mordendo os lábios e vendo as sombras que se projetavam à parede do quarto. Aos poucos os olhos pareciam ficar pesados, mesmo sentindo tanta angústia no coração, mesmo sabendo que precisaria acordar no dia seguinte bem cedo para ir a um passeio. O sono a alcançava. Alcançava-a com o afagar de seus cabelos que parecia a embalar em um sono arredio. Logo viriam os sonhos, mas seus temores pareciam trazer o pior de seus pesadelos. Estava à frente do local que iria no dia seguinte. Estava ao mesmo tempo, mais distante dali. Via um homem de cabelos vermelhos intensos, tão vermelhos quanto seus cabelos. Ele parecia olhar para cima. Parecia ver aviões que voavam no ar. Podia sentir o aperto que ele sentia no coração. Podia sentir a angústia que ele sentia. Seu coração se acelerava, sentia aquela dor em seu peito. Por que tanta dor? Por que tanto sofrimento? Ele repetia não e a cada não ela queria despertar, não conseguindo. O mundo pareceu ficar mudo enquanto a dor apenas parecia aumentar, queria gritar enquanto o mundo desabava ao redor e muitas vozes pareciam gritar. Gritos de dor. Gritos de desespero. O mundo desabava diante dos olhos dela e daquele homem que gritava a pleno pulmões um sonoro não, queria chorar diante da dor que ele sentia. Encolhia-se naquele pesadelo que apertava seu coração como se a dizer que ela não mais veria Aengus ou seus pais, mas uma voz parecia chegar aos seus ouvidos como o embalar de um bebê ao colo paternal.
- Muitos nomes eu possuo. Sandman, Oneiros, Kai'Ckul, Morpheus... Mas não sou o Morpheu que vive no mundo fantasioso ao qual chamam de Matrix e nem tão pouco Sonhar seria como aquele mundo que tantos parecem adorar.
Aquilo parecia a acalmar, parecia fazer aquele pesadelo desaparecer. Fazia aquela angústia sumir.
- Alguns me chamam de Moldador de Sonhos. Enquanto na cultura Grega sou filho de Hipnos. Hans C. Andersen dizia que não há ninguém no mundo que saiba tantas histórias quanto eu sei e que de noite, quando as crianças ainda estão à mesa, muito quietinhas, ou sentadinhas em seus bancos, que eu tiro os sapatos e subo a escada muito devagar, abrindo a porta sem fazer barulho e soprando areia nos olhos delas.
Aquela voz que escutava, parecia ser tão calma. Parecia estar tão próxima a ela, quanto um irmão mais velho a zelar o sono do caçula. Trazia tanta segurança, tanto conforto. Parecia aquecê-la na noite que por breves momentos seu corpo estremeceu.
- Bons sonhos criança...- Boa noite Morpheus...
Aquele desejar de Boa noite veio tão natural a ela que nem mesmo se assustou quando sentiu a mão em seu ombro enquanto seu cobertor era puxado.
- Acorde Aislinn, não vai querer perder o seu passeio, vai?
Aislinn se espreguiçava e sorria, esfregava os olhos tentando espantar as areias do sono. Pulava da cama sem lembrar do pesadelo que teve, ou se não a mesma imploraria para ficar em casa naquele dia. Arrumava-se e depois corria para tomar o café.
Estava ansiosa para aquele passeio, a sua escola estava planejando ir naquele local tinha um mês. Olhava para os lados, movendo os lábios de forma silenciosa. Queria que o ônibus chegasse logo. O ônibus nem deixaria os alunos descerem na escola. Lá eles pegariam a professora e finalmente partiram para o destino daquele dia. Aislinn mais uma vez contava para as amigas da sala, sobre Aengus. Elas riam dizendo que Aislinn estava apaixonada e a mesma avermelhava-se tanto por raiva, quanto por vergonha.
- Parem com isso! Aengus é meu amigo. Um amigo muito importante. Se vocês o conhecessem também ansiariam para encontrá-lo mais uma vez.
Mais risadas eram dadas e a bagunça era grande. Gwen sorria olhando-os tão exaltados, estavam indo em uma hora calma para que a aula pudesse ser mais proveitosa.
- O World Trade Center é um complexo de edifícios, construído no início da década de 1970, localizado aqui em Manhattan. Dos 7 edifícios que compõe o complexo, destacam-se as duas Torres Gêmeas com 110 andares, consideradas um dos ícones da economia norte-americana. Elas foram idealizadas pelo arquiteto japonês Minoru Yamasaki, e nelas costuma-se trabalhar diariamente cerca de 50.000 pessoas. O Wolrd Trade Center foi considerado o maior prédio do mundo durante os anos de 1972 e 1973 tirando o posto do Empire State Building que foi construído em 1930. O Empire State Building era considerado o maior prédio de Nova York durante 40 anos.
Nunca o silêncio foi conseguido de forma tão rápida. Aislinn admirava a forma que sua professora Gwen conseguia a atenção. Suas aulas sempre eram as mais gostosas de serem escutadas e a voz de sua professora possuía o dom de conquistar a confiança de seus alunos. O ônibus parava diante das torres gêmeas e todos desciam observando aqueles enormes prédios, enquanto a explicação continuava.
- As Torres Gêmeas possuem 198 elevadores, 99 em cada torre, distribuídos em 2 lobbys. Na Torre Norte existe no 107º andar um luxuoso restaurante onde há grandes almoços de empresários mundiais. Tal restaurante é apelidado de Windows on the World, devido a o fato de ser o restaurante mais alto do mundo.
Os alunos olhavam na direção da torre norte soltando suas interjeições admiradas com as informações dadas por sua professora.
- Na Torre Sul existe um observatório apelidado de Top Of The World que fica a 420 metros de altura onde os visitantes têm uma visão de 360º de toda a cidade de Nova York, nele também tem uma proteção anti-suicida.
Algumas poucas risadas e comentários sobre por que as pessoas iriam cometer suicídio faziam Aislinn sentir um pequeno calafrio. Suas mãos esfregam os braços, como se espantando um frio que não queria deixá-la naquele dia ensolarado. A voz de sua professora parecia ir se abaixando cada vez mais aos seus ouvidos.
- Na Torre Norte há uma antena de TV de 90 metros instalada em 1978, ao todo a Torre Norte possui, contando com a antena de TV, 417 metros de altura enquanto a Torre Sul possui 415 metros...
Os olhos de Aislinn se arregalavam quando tudo parecia ficar mudo e ela podia ver as suas amigas correrem. Seu coração acelerava, quando ela erguia os olhos e via o mundo desabar sobre eles. Naquele ínfimo segundo, enquanto as lembranças pareciam passar diante de seus olhos, enquanto o mundo ficava cinza e depois se escurecia, Aislinn se recordava de Aengus contando a história de Destino. Recordava-se do rapaz de cabelos vermelhos gritando não diante daquela mesma cena que ela via. Lembrava-se do conforto que sentiu enquanto escutava uma outra história enquanto dormia. Seu coração gritava desesperado um grito que não escapou de seus lábios naquele negro mundo. Até o coração parecer não ter mais forças para gritar. Seus olhos queriam abrir, seu corpo queria reagir. Sentia um doce aroma de pêssego colhido no verão. Um aroma que ela desejava alcançar para dizer que aquilo era apenas um pesadelo. Mas se sentia acuada, sozinha naquela escuridão. Gritos... Gritos ela podia escutar envoltos em um aroma cítrico que havia no ar. Seu corpo se movia em meio a tanta dor de alguma forma mesmo não conseguindo reagir. Parecia frio, mas o frio a abandonava aos poucos o seu corpo no embalar de uma voz feminina e suave. Melancólica mas confortadora. Alguém que parecia a embalar em um novo sono para que ela esquecesse todo aquele pesadelo.
- É apenas isto. Se você vai ser humano, tem um monte de coisas no pacote.
Parecia tão confortável estar naquele colo, toda dor desaparecia enquanto seu rosto era acariciado por quem quer que estivesse a desenhar os contornos de sua face, contando-lhe uma nova história. Podia sentir a tristeza suave que aquela pessoa possuía, mas de alguma forma sabia que ela sorria.
- Olhos, um coração, dias e vida. Mas são os momentos que iluminam tudo. O tempo que você não nota que está passando...
Como era gostoso aquele afagar de cabelos que ela recebia. Afagos tão suaves quanto os afagares de Aengus, de seus pais e de quem acalmou seus sonhos um pouco antes dela despertar.
- É isso que faz o resto valer, pois quando a última coisa viva morrer, meu trabalho estará terminado.
Era um colo tão gostoso. Uma voz que parecia tão conhecida. Como poderia ter se esquecido daquilo um dia? Aislinn sentia o conforto naqueles braços. Braços que já a embalaram uma vez e que afagava o seu rosto como já a afagou uma vez.
- Então, eu colocarei as cadeiras sobre as mesas... Apagarei as luzes... E fecharei as portas do universo, enquanto o deixo para trás. Tinha a sensação de flutuar. Flutuar no vazio e escuro silêncio, aonde a única voz que ela ouvia, era aquela voz que lhe contava aquela história. Nova história. Velha história. História que estava chegando ao fim, com o beijo que sentiu em sua fronte.
- Mas a morte não é o fim de tudo. Não mais é o fim nestes tempos vividos, pois a morte é apenas o início de uma nova vida...
Mesmo que a sensação de angústia parecesse querer voltar por conta do afastar daqueles braços que trouxe tanta segurança para sua alma, aquele flutuar que Aislinn sentia parecia ficar tão gostoso com aquele cheiro de pêssegos. Parecia trazer tanta segurança e conforto, pois agora ela sabia que veria seus pais de novo. Sabia que poderia ir ao parque mais uma vez. Poderia continuar achando seus pequenos tesouros, sentir o amornar da pele com o toque gentil do sol. Poderia mais uma vez sentir os braços do vento a abraçarem carinhosamente. Aislinn sorria ao ver Gwen sorrindo naquele mundo que parecia ficar mais colorido. Dizendo-lhe aonde poderia encontrá-la e pedindo que cuidasse de Arthur. Muito tempo elas conversaram e quando se despediram, Aislinn tinha certeza, certeza nas incertezas de que ganhara muitos amigos. Mesmo quando um dos amigos ainda compreenderia porque ambas eram amigas. Estava feliz por conhecer tantas histórias. Estava feliz por conhecer os irmãos de Aengus, pois soube no fundo de seu coração quem eles eram, e não conseguiu mais parar de sorrir quando viu aquele mundo colorido surgir diante de seus olhos na companhia de uma moça tresloucada. Uma moça que estava a procurá-la por tanto tempo.
- Achei que não me encontraria...
A moça tomava um susto e dizia coisas que pareciam não ter certa lógica em tudo aquilo.
- Vê? Meus cabelos parecem com os seus...
Aproximava-se dela e se abaixava para pegar uma mecha avermelhada, juntando com a mecha de seus cabelos. Mesmo aquela moça sendo tão louca, Aislinn não podia deixar de sorrir.
- Os seus são mais coloridos...
A moça ria com o comentário que Aislinn soltava dizendo coisas mais loucas ainda.
- Mas eu ainda não encontrei a Punk que eu perdi... Estaria ela aqui? Se não terei que procurar... Ai, ai, ai... Ai, ai, ai... Onde é que a punk se meteu?
- Talvez ela esteja em outro lugar. Talvez esteja perdida em seu olhar...
Aislinn não conseguia parar de admirar aqueles olhos tão diferentes de tudo que ela viu. Como poderia alguém possuir tanta alegria? Uma alegria que a contagiava, mesmo falando coisas que pareciam peças aleatórias de quebra-cabeças diferentes?
- Então? Quando foi que você ganhou isso?
Aislinn fechava os olhos sorrindo enquanto a moça apoiava os cotovelos na cama próxima a ela, não tinha idéia do que ocorria, mas respondeu a primeira coisa que veio à sua mente.
- Quando você saiu para me procurar e eu não estava lá. Mas estaria nas linhas de um livro ou estaria a sonhar. Pintaria uma tela que estava para se pintar. Seria a vida. Seria a morte. Teria medo mas encontraria a alegria. Então eu sempre estive lá. Apesar de que eu não sei aonde é o lá.
Recebia aplausos por suas palavras, como se tivesse acabado de entoar um ato de Shakespeare, sentia-se bem com tudo aquilo e então via a moça saindo desvairada e tresloucada.
- Não saia daí... Vou achar a Punk e voltar aqui...
Aislinn ria vendo o cachorro a acompanhar aquela moça desvairada e sorridente, não conseguia imaginar como aquele cachorro havia conseguido entrar lá, mas logo seus olhos estavam a buscar algo. Algo que ela sabia que tinha que procurar.
- Seria um sonho tudo isso? Como o sonho que vi?
A porta se abria e o colorido partia com um homem que entrava a observar. Os olhos de Aislinn se voltavam para lá. Não queria que aquele colorido sumisse, porque aquilo mostrava que tudo não era um sonho. Que estava em um hospital e que o homem que entrou no quarto parecia trazer de volta a sensação que ela sentiu no sonho de Tristan, a mesma sensação que sentiu quando o mundo desabou ao seu redor.
- Há muita tristeza em seu olhar. Assim como muita raiva há... O que deixou seu coração tão triste para sua alma ficar tão cinza como está?
O Homem abaixava os olhos com seus punhos a fechar. Aislinn podia sentir aquela dor que o corroia, enquanto os olhos dele ficavam a observá-la e por vezes se abaixando para não observá-la.
- Poderia contar uma história para mim? Minha amiga logo há de chegar.
Pedia de forma calma para poder afastar aquela sensação que sentia. Os olhos daquele homem erguiam-se com lágrimas observando-a. Ela via que a raiva desaparecia por um momento no olhar daquele homem, enquanto as lágrimas cresciam. Aislinn sentia que era ele. Sentia que precisava buscar algo nele. Buscar uma coisa muito importante, que ela não sabia o que estava a procurar. Só sabia que tinha algo a entregar para aquele homem, mesmo não sabendo o que entregar, sabia que entregaria para aquele homem, que tão triste estava em seu olhar, o algo que ela tinha que entregar.
- Sua amiga pode contar a história quando ela voltar.
Ele retrucava, conseguindo fazer com que Aislinn suspirasse e erguesse os olhos para o teto que estava tão branco naquele momento.
- Ela há de demorar... Perdeu algo que precisa encontrar.
Ele se aproximava e ela continuava com seu olhar perdido naquele quarto tão branco do hospital. Lembrava-se das coisas que aconteceram antes daquele quarto e seus lábios então se moveram.
- Era uma vez um homem que estava em um parque. Seus olhos tão cinzas pareciam azulados que se perdiam em um mundo que ele não podia enxergar. Um homem que parecia tão sábio e que tinha a voz como o farfalhar de velhos pergaminhos numa biblioteca tarde da noite. Quando as pessoas já tinham ido para casa e os livros começavam ler a si mesmos. Ele nos falava sobre Destino, um destino implacável que não podia ser aplacado, mas mesmo que pensassem isso sobre ele, Aengus apenas aponta os caminhos que podemos percorrer.
- Como?
Pela primeira vez Aislinn mesmo não tendo um livro diante de seus olhos, contava uma história que pedia para ser contada.
- O dia se punha a correr e o sono se aproxima sorrateiro. Ainda quando estamos sentados quietos a jantar, Gawain chega devagar. Nenhum barulho ele faz e tirando os sapatos ele sobe as escadas soprando suas areias para que nos sonhos ele possa nos embalar.
Ela sabia que aquele homem precisava escutar aquela história. Sentia que não estava sozinha. Sentia-se segura como se sentiu tantas vezes e precisava passar esta segurança para aquele homem que estava tão triste.
- Mas o coração se aperta aflito, quando sonhos se transformam em pesadelos. Em sono agitado ele grita, grita pelas pessoas que são feridas. Tristan nunca quis machucar as pessoas e jamais aceitou as telas que ele pintou. As pessoas ferem-se e são feridas enquanto o sono dele se agita com o coração que partia de tão acelerado que ficou.
Aislinn não via o quanto sua história fazia as lágrimas nos olhos daquele homem aumentar, mas sentia o que ele sentia, assim como sentia o conforto daqueles que pareciam tão próximos a ela enquanto contava aquela história.
- Em meio ao mundo cinza dois irmãos se encontravam. Um perfume parecia tão agradável tão diferente do outro perfume que deixava o mundo cinza como o cinza das nuvens em dias nublados e que parecem chorar. Tanto pelos que partiram quanto pelos que ficaram.
- Por favor... Pare... Pare... Eu não quero mais escutar...
Poderia parar de contar a história, mas se lembrava de Gwen que pediu a ela que cuidasse do marido que tinha ficado e sentia-se segura, pois tinha seus amigos por perto.
- Mas aprendi... Aprendi com a Kayleigh que são os momentos que iluminam tudo. O tempo que você não nota que está passando que faz o resto valer. Pois ela diz que a morte não é o fim e sim o início de uma nova vida.
Ela podia escutar o levantar do corpo daquele homem, podia sentir o coração dele acelerar, mas sabia que era ele. Era ele que tinha que receber aquela história.
- E aprendi com Gale que o mundo pode ser mais colorido. Mesmo quando achamos que perdemos algo. Pois quanto mais procuramos menos conseguimos encontrar e quando paramos de procurar enxergamos aquilo que sempre esteve lá.
- E o que eu procuro?
Escutava ele a perguntar sem mais forças para chorar. Então Aislinn teve a certeza. A certeza que seu coração poderia lhe dar.
- O brilho dos olhos que um dia você perdeu...
- E aonde posso encontrar?
Ele se erguia. Erguia-se a observando. Aislinn sentia as mãos dele segurando seus ombros, sentia o coração do homem que parecia tão ferido. Queria curar aquelas feridas, mas só poderia entregar o que tinha para entregar e ele gritava:
- AONDE POSSO ENCONTRAR?
Gritava levando as mãos ao rosto de Aislinn. Ela podia sentir aquele pressionar de mãos como se as mesmas pudessem esmagar seu rosto e ela sabia o que precisava fazer. Tocava a mão sobre o peito do homem, mesmo sentindo medo do que via naquele olhar.
- Ela está lá a te esperar. Ela está aqui a te olhar.
Ela via tanta dor naquele olhar que o homem possuía, e mesmo tendo medo, era ele. Ela tinha certeza de que era ele ao ver o sorriso de Gwen, ao falar que precisava encontrá-lo mais uma vez.
- Ela deseja te encontrar.
- QUEM? QUEM DESEJA ME ENCONTRAR?
Ele gritava com ela, Aislinn aponta na direção da porta, pois Gwen estava ali a zelar. O homem olhava para a porta para ver o que ela estava a observar. Arthur chora ao ver o que ele via. Chorava ao ver um mundo mais colorido. Chorava ao ver um sorriso que havia partido. Chorava com aquele brilho no olhar que ele achava ter perdido.
- Aí você está!!!
O cachorro latia e os enfermeiros corriam. Aislinn via Gale se aproximando e sorrindo, enquanto os enfermeiros carregavam o homem que se encontrava em prantos. Ao que parecia Gale não tinha encontrado a Punk, mas tinha encontrado alguém mais importante.
- Isso é um absurdo!!! Cachorros não podem ficar aqui!!! Isso é um hospital mocinha.
Gritava a enfermeira que possuía a alma tão cinza que parecia desbotar as cores do mundo para os olhos de Aislinn. Aislinn olhava para a porta, vendo Gwen a sorrir e a dizer que ainda precisava falar com Arthur.
- Já estamos de partida. Cuide de suas feridas... Não vê que Aislinn precisa de nós?
Aislinn sorri, enquanto seus cabelos são afagados por Gale. O sono chegava fechando seus olhos e mais afagos ela podia sentir. Sorria ao ver aqueles olhos tão escuros a observá-la. Sorria pois sabia que aquele era quem acalmou o seu sono.
- Gawain... Ele ainda precisa de mim.
Aislinn via Gawain sorrindo e se abaixando. Ele era bem alto. Mais alto que Aengus. Sentia ele segurar seu queixo e depois olhar para um lugar.
- Em breve você poderá encontrá-lo Aislinn.
Aislinn escuta alguns gritos e olha para Gawain.
- Elas ficarão bem?
Gawain sorri e meneia a cabeça em afirmação.
- Cecile não ousaria brincar com Gale.
Logo Aislinn tinha a mesma certeza, pois podia escutar a voz de Gale.
- Você conhece o caminho. Sabe como chegar. Mas não vá sumir ou vou ter que mais uma vez te procurar.
Olhava para Gawain que erguia aos poucos o seu corpo, fazendo o mundo moldar a volta deles. Ela sorria pois se lembrava de um dos nomes que ele possuía, e tudo se moldava de forma tão interessante nas mãos dele. Aislinn o abraçava e depois se despedia. Sabia o que tinha que fazer e outras pessoas estavam a esperar.
- Ela ficará bem?
Gawain observava a pequena se afastando e enfrentando reinos que poucos ousavam andar.
- Sim. Ela ficará!
Aengus sorria, tendo a certeza de que Aislinn tinha escolhido as trilhas certas.
Em algum lugar Aislinn dava as mãos para um homem. Sorria a observá-lo em seu enorme desnorteio.
- Venha Arthur! Venha! Ela está a te esperar!
Arthur segurava a mão da Aislinn e seguia seus passos. Observava o mundo que eles se encontravam em que nada lembrava o hospital.
- Isto é um sonho?
Perguntava desnorteado e Aislinn caminhava com toda a certeza que poderia possuir por aqueles reinos ao conduzi-lo.
- O melhor sonho que você pode ter, Arthur!
Aislinn sorria, pois o mundo que parecia tão escuro, aos poucos ia ganhando brilho. Arthur não sabia por que, mas a seguia. Queria ter certeza do que viu, antes mesmo de ser sedado pelos enfermeiros. Queria que o mundo fosse tão colorido quanto antes. Antes da morte de Gwen.
Arthur via o mundo ficar mais colorido, um mundo que parecia trazer um pouco mais de calor. Um pouco de conforto a sua alma que parecia tão estraçalhada por aqueles últimos dias. Arthur sentia a pequena mão de Aislinn escapar de sua mão e então sentir um abraço. Um abraço que fazia seu coração se aquecer enquanto podia ver Aislinn sentar-se em um balanço e começar a balançá-lo cada vez mais alto.
- Me desculpe Arthur! Eu amo você!
Arthur se virava e via diante de seus olhos aquele brilho que ele tanto buscava. Abraçava aquele corpo, desejando não mais solta-lo.
- Me desculpe Gwen!
Gwen abraçava Arthur e sorria.
- Tudo ficará bem. Estarei a zelar por você. Estarei a esperar por você. Eu te amo Arthur e sempre te amarei. Sou sua e sempre serei.
Arthur a olhava. Acariciava o rosto de Gwen com lágrimas nos olhos, escutava as juras que ela fazia naquele lugar.
- Eu serei o vento morno que irá te abraçar. O vento que enxugará suas lágrimas. Serei o sussurro que dirá boa noite meu amado. O conforto que terá em seu coração.
Ele sorria com aquelas palavras, elas pareciam trazer tanto conforto.
- Venha Arthur! Eu cuido de você até você poder encontrá-la de novo!
Arthur podia sentir a mão de Aislinn segurando sua mão e abaixava os olhos para ver aquela criança de cabelos vermelhos sorrindo para ele.
- Obrigado Aislinn!
Arthur então olhava para Gwen.
- Adeus Gwen!
Aislinn sorri.
- Não Arthur! O adeus é uma palavra muito longa para ser dita. Até breve é o que ela espera e há de esperar!
Gwen sorria, Arthur ri um pouco com as sábias palavras ditas por Aislinn e ao despertar no hospital o mundo pareceu mais colorido para Arthur. Um mundo que possuía cores tão vivas e aromas tão gostosos de sentir.

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