quarta-feira, novembro 08, 2006

DESEJO

DESEJO

Eu sou tudo que os seres humanos desejam em suas sórdidas mentes. Sou tudo que querem. Lamento que meu irmão não me deixe penetrar em seu reino para manipular ainda mais suas mentes cheias apenas de mim. Posso ser quem eu quiser, tornar-me qualquer um de acordo com os desejos alheios. As crianças são divertidas, pois, ainda sonham com fadas e algumas outras criaturas nem tão inocentes. Lamento por aqueles que não tem uma vida fácil e onde os reinos do meu irmão mais velho não se valem. Sonho não pertence a estas crianças, mas, eu estou perto delas quando vêem uma vitrine com brinquedos que não podem ter. O que há de mal se roubam para conseguir o que querem? Eu apenas cumpro meu Destino... apenas sigo as rodas de minha própria fortuna até que Destino resolva o que fazer comigo. Tem pessoas que desejam tão arduamente que conseguem viver integramente e isto me faz perscrutar suas mentes em busca de uma resposta porque estou em todos os lugares, em todas as mentes, em todas as almas. Sem mim, a humanidade estaria nas cavernas, estaria ainda desejando ser as estrelas do céu.
A humanidade decepciona os Superiores. Não a mim. É mais fácil entrar em seus seres, em suas células. Eles não me temem mais... sou a droga que consomem, as jóias das mulheres ricas, os vestidos, todo o desejo humano está condicionado a mim. Isto não é interessante? Entro em suas festas por ser quem desejam e, logo, faço-os desejar homens ou mulheres, trancafio-os dentro de si próprios com seus desejos. Conheço poucos homens capazes de resistir a mim, o homem conhecido como Cristo foi um deles. Os grandes monges do Tibet... Bom, agora, é hora de brincar com as mentes humanas. Estou em uma boate e sou uma mulher magra, do tipo que os homens desejam e que as mulheres gostariam de ser. Meus ossos estão à mostra como é a moda atual. Uso uma roupa colante e mostro partes da pele imortal que tenho. Os homens me admiram porque transmito glamour e as mulheres me invejam e todos me desejam. Está na hora de enfeitiçar a todos. Entre os meus risos e as pessoas cheirando pó de modo que nunca se satisfarão, sinto seus olhos às minhas costas. Ele veste um casaco negro e me olha de modo impenetrável com a profunda mágoa que sempre carrega desde que seguimos diferentes rumos.
Se sinto falta da essência mágica que exala? Não posso imaginar ninguém mais perfeito ou melhor para mim, mas, sou escravo de meu próprio nome e, diante dos meus desejos, segui em frente em uma busca frenética por emoções, pessoas e persuasão. Segui minha natureza. Mas, estes olhos em minha nuca me fazem arrepiar de modo inacreditável e Morfeu deve sentir algum prazer em me ver miserável, caindo em uma armadilha tão tola. Deve haver alguma razão para que este ser tenha se aproximado sem cautela alguma. Afinal, foi ao inferno por mim e tentou de tudo... Eu me aproximo dele e ele está diferente, tão diferente de quando nos unimos. Os olhos ainda trazem alguma doçura. Enfim...
- Olá! – digo.
- Olá! – ele diz de modo seco.
Eu sorrio para a multidão e me alimento dos corpos ardentes.
- O que você quer?
Ele me encara sem surpresa nos profundos olhos e permanece em silêncio.
- Fui enviado até você.
Eu me surpreendo e escondo os sentimentos de confusão. Morfeu deve estar por aqui em algum lugar. Tento parecer naturalmente charmosa. Afinal, sou Desejo.
- Ora, para quê?
Eu sabia que fazia parte da penitência que passava em nome do amor que jamais se desmancharia em sua alma.
- O que Eles querem?
Ele riu ao engolir o uísque.
- É Destino que lhe chama.
Destino?! O que haveria de tão importante que seria necessário a interferência de Destino?
- O que ele deseja?
- Ora, sou o mensageiro. Apenas vim lhe dizer para ir até ele.
Devia ser alguma encrenca das grandes!

Na verdade, saí da boate em atordoamento e lá estava meu irmão mais velho, esperando-me com algum tipo de manto moderno. Segurei em seu braço, fingindo ser algum tipo de bondosa alma guiando um pobre homem cego pelas ruas de uma cidade grande, suja e cheia de desejos tanto puros quanto sanguinolentos. Algo muito sério deve ter acontecido e eu fingia completo descaso, mas, minha curiosidade rumina a todo instante.
Ele pigarreou. Isso não era nada bom.
- Você não brincou o suficiente já? Os homens precisam de descanso.
Havia um tom sombrio naquela voz.
- O que quer dizer, Destino? Eu posso tudo... Afinal, sou Desejo.
Quieto e sério como sempre. Como uma sombra azarando, ele vinha nos seguindo.
- O que ele faz nos seguindo?
O primeiro sorriso que vi Destino lançar e isso me assustou.
- Ele cuida de mim.
- Você precisa cumprir seu papel a risca. Você perdeu o direito ao amor, Destino. Mas, pare de brincar.
Eu ri.
- Ou?
Ele guiava as almas das pessoas fiando suas vidas e ele permaneceu em silêncio.
- Há um fim para tudo, Desejo e as contas pesam na balança neste fim, mesmo para nós, os Perpétuos.
O silêncio se adensou.
- O que você quer dizer com perder o direito ao amor?
Ele sorriu como um irmão mais velho faria com uma certa pena.
- Você perdeu sua Alma. Agora, ele está livre, Desejo.
Um raio me atingiu e olhei para trás em um reflexo e o homem meneou a cabeça com um leve sorriso vitorioso. Ele havia conseguido me superar e isso me devastou. Destino apenas apertou com um pouco mais de força meu braço e disse:
- Vá e cumpra seu Destino!

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