quarta-feira, novembro 08, 2006

DESTRUIÇÃO

DESTRUIÇÃO
Ele estava sentado em um café nas ruas de Paris. Ninguém ousava se aproximar dele, pois, suas feições ferinas e ameaçadoras espantavam qualquer um que estivesse disposto a se manter em paz. Mesmo por detrás de seus óculos escuros, ele era temerário. Poder-se-ia dizer a seu respeito que estivera entre os legionários franceses ou que, talvez, fosse um fantasma da Idade Média, uma vez que ele parecia ter a fúria cega que movia os antigos cavaleiros. Ele estava sentado, esperando por nada, apenas apreciando mais um belo dia na Terra, um dia ordinário na vida dos homens quando um homem pálido de cabelos negros e sobretudo do mesmo negro profundo se sentou à sua frente. Ele sorria enquanto comia uma azeitona. O homem sentado antes no café resmungou algo que nenhum outro ser poderia entender.
- Ora, tenha bom senso! Sou eu que levo esperança aos destroçados por você, caríssimo irmão.
O homem ruivo ergueu a cabeça.
- Não posso evitar minha natureza. No entanto, tenho tentado remeter meu karma ao meu futuro.
O homem de preto continuou sorrindo.
- Karma? Por onde andou todo este tempo? Com monges tibetanos insossos? Foi exatamente quando lançou a tsunami?
O ruivo apenas lançou um olhar profundo.
- Havia povos com sede.
- Acho que você errou o continente.
O homem mais velho estava para pular da cadeira e arrancar a cabeça do homem de preto.
- Fale logo o que quer, Dream Walker!
- Aqui, não gostam muito de expressões em inglês. Mas, já que você perguntou o que eu quero... hummm... saber quais são seus planos para que eu possa agir logo em seguida. Você sabe, as pessoas precisam ter sonhos, Irmão.
O irmão mais novo sabia como irritá-lo e como deixá-lo mais calmo. Talvez, o irmão que menos fosse desvairado junto com a dos cabelos pretos. Ele era o único que parecia saber sempre seu paradeiro.
- Estou de férias.
- Gostei da obra nos Estados Unidos e no metrô de Londres.
O grande homem se sentiu derrotado. Haveria algum sonho para si próprio? Por que o Destino lhe dera a missão de simplesmente arrasar e devastar? Era capaz de criar desenhos intricados, máquinas engenhosas, mas, qualquer que fosse sua criação ela destruía e extinguia seres humanos por mais desagradável que lhe parecesse tal obrigação.
- Fale logo, o que diabos você quer?
- Cumpra o seu Destino. Não quero que volte a reinar. Mas, entenda, há mudanças e estas mudanças dependem de você, se é que entende. Não posso amortecê-los por toda a eternidade, Irmão.
Ele entendia por mais que quisesse brincar que não.
- O que tenho que fazer?
- Ué, o que você sempre faz.
Ele respirou fundo e olhou para o céu azul, para a torre Eiffell atrás deles e se lembrou de quão belo o mundo era mesmo com seres imperfeitos e criaturas eternas estúpidas como seu irmão.
- Destruir tudo?
O irmão sorriu. A hora havia chegado.

O deserto o fazia suar e seus cabelos vermelhos adquiriam um tom ainda mais forte de fogo com o sol escaldante. Algumas mulheres o encararam com uma profundidade triste por baixo de seus mantos. Eram olhos fortes de mulheres guerreiras da vida. Ali, haveria um teste único, um teste para o qual ele não fora convidado, mas, era presença obrigatória. Ele encarou o deserto à sua frente e se encaminhou para ele. Para as pessoas, era mais um ocidental maluco. A Morte o encarou. Era o fim de uma era, de um povo e, talvez, da humanidade. Ela colocou a mão no ombro do Irmão com seu turbante negro e pele pálida.
- Talvez, um dia, certo?
- É, talvez.
Ele prosseguiu e um teste de uma bomba atômica que deveria permanecer em segredo saiu errado e todo o Oriente Médio deixou de existir do dia para a noite. Rápido. Silenciosamente. Milhões atacados pela peste, fome e desespero. Ele não estava orgulhoso de seu trabalho. Hospitais no Ocidente abarrotados de gente atacada pelos raios da bomba atômica. O mundo estava em estado de alerta e todos olhavam chocados o teste de uma bomba atômica que quase acabara com o mundo. Ele observava a notícia de uma tv precária em algum lugar da América do Sul. As notícias só chegavam até seus ouvidos por causa dos habitantes. Uma geração de crianças dilaceradas nasceriam dos contaminados, um continente se desfizera e o mundo deveria rever seu modo de encarar a vida. Um homem com um capuz se aproximou do ruivo enquanto ele capinava e capinava e capinava. Ele parou e observou.
- Será que já não fiz o bastante?
O encapuzado continuou quieto.
- Poderia ter dado um fim até em nós mesmos?
O outro o encarou calmamente.
- Este é o seu Destino. Destruir para que a vida continue. Perceba, você está capinando. Destruindo para que a vida seja renovada na Terra. Enquanto não entender esta necessidade...
Ele continuou.
- As almas devem partir, Irmão. Este mundo está mudando e nós mudaremos com ele. Talvez, assim, você possa ser útil de uma outra maneira...
Finalmente, os olhos do ruivo encararam o homem cego à sua frente. Até ele, tinha seus sonhos secretos.

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