quarta-feira, novembro 08, 2006

DESTINO

DESTINO
Suas mãos rastreavam as páginas do livro enquanto a tempestade lá fora desabava como um coro nefasto e profano. Mas, Betânia não sabia o que procurar. Sentia as marcas das palavras no livro, letras diferentes. Nada havia ali e havia apenas uma chance dela reconciliar todas as grandes besteiras que a irmã mais velha havia feito. Ele havia lhe dado apenas uma pequena chance na velha cabana... uma única chance de mudar tudo, de reconstruir, de refazer os estragos que Ivana havia feito. Será que ela teria que ficar cega para conseguir ler as malditas linhas? Pouco tempo, talvez apenas mais alguns segundos e os dedos percorriam o velho livro para achar o que precisava. Apenas breves segundos para pesquisar e conhecer. Ela não queria conhecer a história de todas as dimensões nem a misteriosa história do homem de capuz cego, capaz de contar as mais incríveis histórias. Não! Ela só queria saber como desfazer o maldito feitiço que Ivana havia lançado no mundo por causa... Não! Tinha que se concentrar! Tinha que se concentrar!!!! Não adiantava pensar que Ivana havia trazido o próprio Inferno à Terra por conta de uma disputa por causa... Não! Pense, sua besta quadrúpede! Ele deu apenas uma chance! O pêndulo balançava de um lado para o outro de modo rápido demais. Ele se aproximou atrás dela, apenas esperando que Betânia encontrasse o que precisava. A irmã dela havia abalado uma delicada ordem de vários sistemas dimensionais sem mencionar que o Apocalipse havia chegado mais cedo para a humanidade.
- Meleca catarrenta!!!!
Ele pousou delicadamente a mão sobre o ombro dela.
- Calma! Ainda há tempo...
Não o suficiente! – ela pensou. – Não o suficiente!
Frustrada, Betânia fechou o livro e encarou o homem alto e altivo à sua frente com o capuz sobre o rosto. A voz era gutural como se atravessasse as cavernas esquecidas pelo tempo. Ele se recostou sobre um banco e deixou o capuz cair por sobre o rosto com um sorriso divertido. Betânia teria muito tempo.
- Tente de novo! Vou cochilar.
Como? Cochilar? Certo! Certo! O Imortal já havia feito muito por uma bruxa ordinária como ela. Ela abriu o livro de novo, bufando.
- Vamos! Vamos! Mostre-me o que tenho que fazer. – disse mais para si mesma do que para qualquer outra coisa. Ela estava frustrada e sem que esperasse as páginas do livro foram passando rapidamente trazendo uma brisa morna ao rosto de Betânia. A resposta estava ali, bem à frente dela. Seu rosto se iluminou de esperança enquanto Destino descansava de modo tranqüilo e calmo. As páginas do livro se abriram em duas páginas brancas e Betânia sentiu todas as esperanças partirem do corpo dela pelos pés. A varinha mágica caiu-lhe da mão.
- Eu caminhei meia galáxia para salvar os ordinários humanos porque minha maravilhosa irmã se interessou por alguém e resolveu usar um dos ovos encantados para conquistar alguém que não estava destinado a ela... e, agora, tenho à minha frente duas malditas páginas brancas? Passo pelo inferno dos mais terríveis demônios para isto? Enfrentei toda a sorte de loucuras e desvarios, passei pelos abismos desesperadores para encontrar-me aqui e... e... e... agora... Puta que pariu! – Betânia sentiu o rubor subir à face de sardas. Ela nunca falava palavrões. Nunca!
Destino continuava quieto no canto dele, percebendo as cores à volta da bruxa mudarem de tons confusos de raiva e frustração de novo.
- O que isto quer dizer, bruxa?
Ela se deixou cair, sentando-se encostada no pedestal do maldito livro com lágrimas nos olhos. Teria que significar alguma coisa? Então, seus olhos lilases brilharam na direção dele de uma forma bastante perceptível.
- Nem tudo está no livro Destino? Há coisas que devemos escolher antes de ser escrito. A história é feita a medida que escolhemos e, então, estou aqui para fazer algum tipo de escolha para salvar aqueles a quem devo proteger de qualquer jeito... os humanos... ou parte deles, alguns pedaços de suas almas...
No mesmo instante em que o ímpeto da compreensão a atingiu, ela se deixou cair de novo.
- Mas, agora, que diabos de escolha tenho que fazer?
- Que diabos você quer? Quer trazê-los aqui?
Não! Ela queria era matar a charada e ir embora. O que ela teria que escolher? O quê? Arcângelo era o seu par, eles deveriam ter se unido para uma era de paz como Shiva e Parvarti um dia haviam feito como havia sido escrito no livro de Destino... o Destino havia dito que deveriam ficar juntos e dali surgiria um tempo de luz dourada sobre a humanidade... mas, isso havia sido há muito tempo atrás. A tempestade estava ainda mais forte e poderosa, já estava alcançando a pequena choupana onde se encontravam. Na verdade, Ivana não havia feito o mal agora, mas, antes, muito tempo antes de qualquer coisa... Ela havia amaldiçoado por ciúmes! Aquela era a conseqüência dos atos egoístas... mas, teria que haver alguma luz... uma chama de esperança, muito pequena e era esta chama pequena que Betânia teria que manter viva em algum lugar... do... seu... coração...
- Isto quer dizer que a escolha é... mas... eu... o ... am...
Destino não se mexeu.
- Isto é apenas parte do que acontecerá.
- Então... – as lágrimas a sufocavam. – Ele está livre de tudo... de todos os compromissos espirituais... e eu carregarei a... chama...

A pequena Betânia dormia nas pétalas mágicas de seu mundo quando Morfeu delicadamente retirou uma mecha do rosto da menina que acabava de conhecer o Destino determinado para ela antes mesmo do mundo ter começado.
Destino se aproximou por trás do irmão.
- Ela já sabe?
Morfeu não olhou para trás.
- Já, Irmão. Ela já sabe o que terá que fazer.
Destino sorriu amigavelmente. Tudo estava no lugar como era para ser.

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